sexta-feira, agosto 22, 2008

Fronteiras perdidas*

Acho que foi com o Jorge Amado que comecei a perceber que a língua portuguesa não tem fronteiras. O primeiro autor africano de língua portuguesa que li foi o Pepetela, no seu "O cão e os caluandas". Esse livro para mim foi um marco. Eu fiquei encantada com a musicalidade da escrita, que estava, claro, associada à oralidade da língua. Eu já tinha lido excertos de Luandino Vieira nas aulas de português, mas não tinha prestado atenção. Não me lembro.
Mas lembro-me bem daquelas frases que eu repetia para dentro como se acolhessem dentro de si uma fórmula mágica. Eu tinha descoberto que a escrita era uma bola de plasticina, que podia ser moldada de acordo com a nossa voz, com o ritmo da voz. A dança. O corpo. A voz tem tudo a ver com a dança do corpo, aliás, a voz é a dança da língua.
Eu lia aquilo como uma revelação, com aquela ingenuidade dos catorze, talvez quinze anos (não me lembro). Frases em que o predicado não coincidia com o sujeito ("E então ela levantou da cadeira (...) ... sentou no chão") ou coisa que o valha. Lembro-me destas, mas havia muitas mais. E então comecei a escrever assim também. Não se tratava de querer imitar, era uma apropriação de algo que sentia como meu. Aquilo era lindo, era música, e eu queria participar. Queria entrar na orquestra. Aqui já não me limitava a perceber, sentia, que não existem fronteiras na língua portuguesa (e que esta era minha, também).
Os professores, claro, é que não perdoaram. E lá vinham os riscos a vermelho, os erros devidamente assinalados. Levantou-se, não levantou. Eu queria lá saber. Se um escritor tão importante escrevia assim, eu também podia escrever. Aqueles marcas a vermelho não me envergonhavam, pelo contrário. Olhava para elas e ria para dentro. Ria-me e ria-se o meu orgulho.

*o título também é uma apropriação, com a devida vénia :)

Sem comentários: