terça-feira, agosto 19, 2008

Quase mar

E cá estou de novo, junto ao rio. Desta vez, trouxe o silêncio nos bolsos. Ele, o silêncio, é leve e macio como bolas de algodão. Tão leve, que me enche de um imenso vazio sem peso nem forma, e quase me transporta pelos ares, leve e solta como um balão, ao sabor do vento que não se cansa de assobiar, companheiro inseparável deste rio quase mar. Gosto de olhar Lisboa do lado de lá, a separar-nos a extensa distância das águas, que inunda e esbate as formas e os ruídos da cidade, como se a pintasse numa aguarela de cores desmaiadas, demasiado cansadas para se erguerem, vivas. Ao longe, na bruma, as casas e os carros e as pessoas e os imensos edifícios adquirem a consistência das nuvens, ou diluem-se na brancura azul do céu. Hoje, enquanto esperava pelo almoço, com o vento a levantar as toalhas de papel das mesas e a virar-me as páginas do Cemitério de Pianos, do José Luís Peixoto, conseguia ver, por entre as frases e os cabelos que insistiam em colar-se-me aos olhos, as gaivotas no seu voo baixo, a mergulharem de cabeça na água lodosa, ou a passearem o seu perfil de asas coladas ao corpo no areal de conchas, pedras e algum lixo moribundo. A maré, porém, sobe rapidamente, sem darmos por ela, com a mansidão de pequenas ondas a enredarem-se-nos aos sonhos, enquanto nos beijam as calosidades dos calcanhares, e nos afagam aquela angústia morrinha que se enfia, sorrateira, por baixo das unhas dos pés.

1 comentário:

Kate disse...

É fantástica a forma como usas as palavras, parece que estão aí à tua espera, à espera de serem usadas nos sítios certos, num texto envolvente...
bjs