quarta-feira, fevereiro 25, 2009

A culpa é dele

José Gomes Ferreira, Aventuras de João Sem Medo

A primeira vez que ouvi esta estória tinha nove anos e foi-me lida pela minha professora. Um capítulo todas as manhãs. Recordo o impacto brutal que teve na minha imaginação - passado algum tempo, eu própria escrevi um texto intitulado "A cidade do avesso" que teve grande sucesso naquela altura no pequeno universo que era a minha turma. Acho que data daí, aliás, o início da minha carreira como contadora de estórias. Posso dizer, portanto, que o culpado foi ele, o José Gomes Ferreira.
Foi de tal maneira que não descansei enquanto os meus pais não me compraram o livro - um igual ao que está na imagem - que eu voltei a ler, com entusiasmo redobrado. E nunca mais o esqueci. Agora estou eu a lê-lo aos meus filhos. E - assombro dos assombros - logo desde a primeira página me apercebi de que, afinal, não é uma estória para crianças. A própria linguagem, aliás, é muito pouco própria para a compreensão infantil - o livro está cheio de palavras difíceis, algumas quase impronunciáveis. Aquilo que me parece mais apropriado dizer é que se trata de uma alegoria perfeita de todo um povo e uma época específicos. No entanto, isto não lhe rouba nenhuma qualidade, bem pelo contrário. Acho, aliás, que a maneira como o autor o catalogou - um panfleto mágico em forma de romance - é de longe a mais adequada. Pois acredito piamente no poder mágico daquelas palavras, esse poder raro de acordar o monstro inebriante da imaginação, principalmente depois de assistir ao espectáculo que é estar a ler a estória aos meus filhos, muito pausadamente para que eles entendam tudo (e fazendo inúmeras paragens para lhes explicar o significado das palavras mais insignificantes, que, como é óbvio, lhes escapa ao entendimento) e estar a ser constantemente interrompida pelos seus delírios loucos de imaginação ruidosa - num crescendo de tal forma imparável que até fico rouca de implorar-lhes que me deixem continuar a leitura. É verdade. Eles ficam completamente passados e é incrível a profusão de imagens fantásticas que lhes assalta o espírito, geradas pelas palavras mágicas deste livro. Incrível.

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