Farta farta farta.
Um dia não aguentou mais e partiu o espelho.
E gritou furiosa para os cacos:
«Estás enganado! As minhas palavras não são o reflexo das tuas, nem nunca foram! As minhas palavras não são de vidro, são de água! É o mar para onde o rio das tuas me leva, é esse mar que vive nelas. Mas o que entendes tu disso?»
Ela não entendia. Ainda lhe restava, porém, uma réstia de lucidez.
«Devo estar louca, para estar para aqui a falar contigo. Os meus próprios cacos...»
Foi buscar uma vassoura para apanhar os cacos.
E, enquanto varria, veio-lhe à boca o fio de prata da melodia daquelas palavras
«Navegar é preciso...»
de uma velha canção, essa sim, o reflexo nítido e cansado da sua vida
«... viver não é preciso»
nessa noite adormeceu sem dar por isso.
Sem comentários:
Enviar um comentário