domingo, maio 24, 2009

Falar e ouvir

Isto de não perceber tudo o que as pessoas nos dizem às vezes tem as suas vantagens. Não precisamos de concordar automaticamente nem de fazer nenhum juízo de valor. Não precisamos de discordar com veemência nem de rejeitar logo à partida. Antes, vamos ouvindo e assimilando, com vagar, com calma, que é coisa que nunca há. E depois começamos a ouvir, não apenas com os ouvidos, mas com os olhos. Os olhos, aliás, ouvem tanto ou mais que os ouvidos. É que as pessoas não falam apenas com a voz, ou antes, com as palavras. Falam com o corpo todo. E às tantas a mensagem não verbal é muito mais importante que o que dizem as palavras. E tanto que as pessoas mentem... Como aquelas que nos dizem que estejamos à vontade, que se não percebermos não tenhamos problemas em dizer, e depois quando isso acontece a expressão do olhar denuncia-lhes o desconforto. Ninguém gosta de ser interrompido; pior, de ser mal entendido, ou de encarar essa possibilidade. As pessoas querem falar, falar alto e bom som. Quanto a serem ouvidas, isso já é secundário. O que importa é que as deixem discursar.
Eu já entendi que muitas vezes as pessoas não se ouvem, nem querem. Nós só ouvimos o que nos convém. Quando falamos a mesma língua, ainda dá para disfarçar: tecemos comentários manhosos que iludem o outro acerca da nossa errónea percepção. Mas quando falamos línguas diferentes, fica bem claro que não nos ouvem nem querem. Ou não se esforçam, o que vai dar ao mesmo. Ou então, ouvem outra coisa que nós não dissémos.

1 comentário:

Lelena Lucas disse...

Nos arquivos do meu blog, há um texto de 9 de outubro de 2007 entitulado "PEQUENO TRATADO SOBRE PESSOA E PALAVRA". Me lembrei dele ao ler esse seu belo texto.
Beijo pra você.