sexta-feira, setembro 18, 2009

Coisas

Hoje pedi à minha amiga eslovaca que me levasse os miúdos para a escola.
Mora na mesma rua que eu, a minha amiga, lá no cimo. E eu fiquei à porta a vê-los subir a rua, fechada no casaco e com o capuz a cobrir-me a cabeça e as orelhas, e mesmo assim a sentir o frio nas mãos e nos pés, dentro das pantufas e sem meias.
O peso na cabeça não me deixava pensar com clareza, e os olhos doridos da luz da manhã traziam-me lacrimejos presos às pestanas. Fiquei ali a vê-los subir a rua, duas figurinhas cada vez mais pequeninas, até já só serem do tamanho do meu dedo polegar, a sentir o cérebro latejar.
Enquanto isso, pensamentos sinistros invadiam-me a consciência sem eu querer. Assim uma espécie de alarme que subitamente me despertasse de um sono de séculos, alertando-me para perigos inconcebíveis. Daqueles que nem nas trevas nos atrevemos a confessar.
Fiquei a vê-los subir a rua, aos cinco, a minha amiga e os dois filhos, mais os meus rapazinhos. Fiquei a vê-los como num sonho que tive há pouco tempo, em que acontecia isso mesmo - pela primeira vez, entregava os meus filhos a alguém para que os levasse à escola.
Ora acontece que isso mesmo - entregar os meus filhos a alguém, nem que seja apenas por minutos, emprestar-lhe as mãos e os olhos vigilantes e atentos a tudo à sua volta - é uma verdadeira prova de fogo. Daquelas em que se tem mesmo de engolir fogo, como no circo - ou antes, nem como no circo, porque no circo é tudo fingimento. Mas pronto. Ela, a minha amiga, passou na prova, com distinção e tudo.

(isto é como levar uma injecção, quando damos por ela, já passou.)

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