sexta-feira, novembro 13, 2009

O senhor Vargas

Entrei para a minha escola primária em 1975. Era um casarão antigo, bem conservado, de paredes pintadas a rosa escuro, com um grande jardim onde havia uma palmeira, duas árvores da borracha (penso que naquela altura já seriam centenárias), um cipestre e mais umas quantas árvores de que desconheço o nome, com folhas de forma curiosa, contituídas apenas pelo veio, ao centro, de onde partem longos dedos, verdes e finos. Se fechar os olhos, consigo sentir o cheiro dessas folhas, que se pegava à roupa e à pele, deixando uma camada fininha e um pouco peganhenta entre os dedos, assim como o cheiro dos caroços das tâmaras, que tinham a forma de pequenos papo-secos, com os quais eu enchia os bolsos para brincar, e ainda o cheiro das folhas finas e esguias das árvores da borracha, em forma foice, que mudavam de cor assim que tocavam o chão. Também brincava com uns chapéus pequeninos que se desprendiam das inúmeras bolotas que caíam das árvores.

Havia uma outra árvore, completamente deitada sobre o chão, apoiada a um velho poço que tinha sido fechado com cimento, para onde podíamos subir sem perigo. Tanto a árvore como o poço faziam as delícias da criançada. Ainda me lembro dessa árvore cheia de pequenos ramos secos que lhe brotavam do tronco como estranhos cabelos, e que a mim lembravam uma espécie de penugem, pois, quando o senhor Vargas desbastou aqueles paus todos à tesourada, deixando a textura do tronco à vista, eu não achei nada melhor para descrever aquela operação do que ó mãe, o senhor Vargas depenou a árvore! O senhor Vargas era uma espécie de pau para toda a obra: guiava a carrinha, cuidava do jardim, transportava caixotes e sacos de batatas e legumes para a cozinha, fazia trabalhos de carpintaria, pintava paredes e desentupia canos. Tinha também outras actividades mais sinistras: cortava a cabeça aos meninos que se atrevessem a subir os velhos portões de ferro escuro, situados nos dois cantos superiores daquele enorme jardim, e que davam acesso ao jardim da casa contígua, onde nunca cheguei a perceber se morava alguém. Depois, enfiava as cabeças desobedientes dentro de um saco, e ia enterrá-las à meia noite na terra escura e húmida do outro jardim. Era o que afirmavam os meninos e as meninas que comigo se sentavam junto desses portões altos, os olhos acesos num assombro grande e redondo e os pés desejosos de escalarem por ali acima (os pequenos ornamentos circulares de ferro pareciam estar ali para ajudarem a subida) e provarem o chão do lado de lá, que subia em pequenos degraus de pedra até se perder de vista.

2 comentários:

Pedro Ruivo disse...

Eh pá, não faço ideia de quem era este sr. Vargas.

papu disse...

nao te lembras do sr vargas? era o homem que guiava a carrinha! esta bem que exagerei um bocado nas tarefas do homem, mas guiar a carrinha ele guiava! e nao te lembras da arvore que foi depenada? ou sera q nessa altura ainda nao estavas la? e que isto foi logo no principio, assim que mudamos dos ed benguela para a est benfica...