segunda-feira, janeiro 25, 2010

multidão sem rosto

Não posso levar ninguém lá a casa. Por causa daquele quarto, foda-se, aquele quarto cheio de coisas velhas. Nem sei como é que chegou àquele estado, para falar a verdade nem me lembro como é que metade das coisas lá foi parar. Bem, há muito tempo já que nem consigo entrar, a merda é tanta que a porta já não abre. É melhor assim, foda-se. Mas o cheiro, o cheiro cola-se-me à roupa e à pele. Ando sempre com aquele cheiro a merda nas narinas. Às vezes imagino que um sem-abrigo me persegue e depois percebo que sou eu, o cheiro vem de mim, com um caralho. E toda a gente o sente, aliás, vejo isso nos olhos das pessoas. Agora, por exemplo, aquele gajo de óculos que estava aqui sentado à frente levantou-se. Quer fazer crer que se levantou porque vai sair agora no alto dos moinhos, mas eu sei que não, o cabrão não aguentava mais era o cheiro, bem o vi franzir o nariz e fungar umas quantas vezes, assim para dentro para que eu não me apercebesse. E vai mesmo sair no alto dos moinhos, o otário, quando na verdade o seu destino é o colégio militar, eu sei porque viajamos no mesmo metro quase todos os dias, é ele, sim, o gajo dos óculos... Caixa de óculos, era como me chamavam a mim, filhos da puta, agora já nem ando de óculos, acho que fiquei com um trauma, foi o que foi, com um caralho. E depois nem consigo ler as coisas ao longe, mesmo as pessoas não lhes vejo bem as caras. Também não preciso de ver, para que é que preciso de ver as trombas dessa cambada? Aliás, acho que vejo melhor assim, os olhos cravam-se em mim e já sei que estão a sentir o cheiro, pronto, a seguir vão afastar-se, também não os condeno, eu faria o mesmo se me cruzasse com alguém que cheirasse a sanitas entupidas... Assim como os vejo, parecem uma cambada de atrasados mentais, uma multidão sem cara, os olhos, as bocas e os narizes todos esborratados, como se estivesse a olhar por um vidro embaciado, ao menos ficam todos iguais, filhos de uma grande puta, não me chateiam a cabeça... Agora sentou-se uma boazona à minha frente, olha lá. Assim a esta distância até lhe consigo ver os olhos, pois. E que olhos... Até me dão vertigens. Parece que vou cair lá para dentro. Espera lá, boneca, não me empurres assim, pá, queres jogar, é? Olha que a mim ninguém me bate aos pontos, minha cabra. Ai agora fazes cara de nojo? É o cheiro, pois, já deves ter sentido a porra do cheiro, já te topei esse gesto rápido de franzir o nariz, julgas que não? Estás com vontade de levantar-te, não é? Mas estás-me a provocar, estás, não tiras os olhos dos pêlos do meu peito e da corrente de ouro que uso ao pescoço. Gostas, é? Se calhar gostas do cheiro, há sempre umas porcas que gostam mesmo é de se esfregar na merda. E às vezes andam assim disfarçadas de madames, como tu, todas produzidas, todas boas, a ver se engatam um doutorzinho, as putas... Ah ah ah... Eu de doutor não tenho nada, filha, daqui não levas nada. Mas dava-te umas, isso dava, que a cona até te saltava da boca, vaca de merda. Estás a pedi-las, estás; agora olhaste para outro lado só para disfarçar; tens os olhos fixos no vidro da janela como se mirasses a paisagem lá fora; achas que sou otário? Não há aí nada para ver, minha, apenas o túnel escuro, os cabos elétricos, estás a olhar para onde tão interessada? Deixa que já te mostro, quando sairmos agora no colégio militar vou atrás de ti, pode ser que estejas com sorte, se ninguém te esperar vou ser a tua sombra, quando estiveres a jeito, arrasto-te para ali para aqueles matagais, é preciso é que vás para aqueles lados, mas eu vou colar-me a ti e tu vais ficar com medo e vais fugir, só tenho de te conduzir até onde quero, vai ser uma festa, minha. Não faças essa cara de nojo que eu sei que vais gozar que nem uma porca. Mesmo agora as narinas te tremeram, que eu bem vi; é o meu cheiro que te excita.

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