segunda-feira, janeiro 25, 2010

palhaçadas

Não é fácil crescer no meio de palhaços. Não pretendo ofender ninguém; por palhaço entendo aquele que faz os outros rir. O meu pai era e é o palhado nº 1. Um dos cómicos mais célebres do antigamente, leia-se meados da segunda metade do século passado. Hoje já está velho mas continua a fazer-nos rir todos os dias. Até quando vai à casa de banho ele tem graça. O humor é um ciclo vicioso: quando você tem graça às tantas tudo o que faça dá vontade de rir. Mesmo as coisas mais corriqueiras, como abrir a porta do frigorífico ou dar os bons dias. A coisa toma proporções ferozes quando você se apercebe de que já ninguém o leva a sério. Ainda que tente fazer um discurso num velório não conseguirá: o melhor é desistir da ideia, pois é de muito mau gosto pôr uma assistência a rir em tais circunstâncias. Mas como eu ia dizendo cresci entre palhaços, anedotas e gargalhadas. Minha mãe era assistente do meu pai, ficava sempre com papéis secundários, nos seus espetáculos. E não porque não tivesse tanta piada quanto ele, mas porque ainda tinha de cuidar de nós. Ela era uma mãe muito presente, sempre insistiu em nos acompanhar o mais possível. A ela devo muita coisa; a melhor talvez seja o facto de não me ter deixado arrastar pela amargura das lágrimas, de cada vez que o meu pai aparecia no ecrã da TV fazendo toda a gente rir. Eu chorava quando o via. Acho que chorava porque me assustavam as gargalhadas em voz off do programa, isto quando ainda era muito pequeno para sequer entender quem estava dentro do rectângulo mágico, e depois de crescer continuei a chorar por inércia. A inércia, aliás, é uma das forças mais poderosas na minha vida. Por inércia eu teria seguido os passos do meu pai; infelizmente, nunca tive piada. É por isso que eu digo que crescer no meio de palhaços é dose: por mais que tente, as suas piadas serão sempre fraquinhas, fraquinhas. Eu e o meu irmão, por exemplo, crescemos a comparar piadas: os dois queríamos sempre ter a piada maior. O pior é que, comparadas às do meu pai, as nossas eram ridículas. Tenho a certeza que vocês me entendem, dispensando as analogias. Às vezes não sei como consegui tornar-me um homem; só pode ser piada, a única de que fui capaz em toda a minha vida.

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