sábado, março 06, 2010

Sala de espera

Não gosto daqueles minutos, lentos como pingos de água preguiçosos, que passo na sala de espera, como se estivesse de facto à tua espera. Não estou, nunca estarei à tua espera. De ti, apenas sei o nome, o sorriso trinta e três, a mão indiferente que aperta a minha com a rigidez de uma múmia, e o laborioso e incansável fragor intestinal. Convém, aliás, que não saiba nada, para que as emoções primitivas mais facilmente venham à tona e se projectem, como um autêntico reflector, nessa sombra imensa que é a tua pessoa. Vês, sei a cantilena de cor. E até a soletraria com paciência, como se estivesse a aprender a ler de novo, juntando o e o á, para teu gáudio, se adivinhasse que isso te arrancaria a medida trinta e três ao sorriso. Enquanto espero, entre as paredes quase nuas, onde repousam, etéreas, as cores e as formas abstractas, devidamente emolduradas, de três aguarelas desmaiadas (não percebo nada de arte, nem quero perceber), vou ensaiando na minha cabeça as palavras que, depois, não te direi, sei-o agora. Por essa altura sai a mulher, a que se deita no divã antes de mim. Nunca a vi, só lhe oiço a voz. É melosa e arrastada, e trata-te pelo nome. Então adeus, diz, e a seguir pronuncia as sílabas como se as arrancasse, húmidas, da tua boca. Fico parada a ouvir o eco daquela palavra, o teu nome, que de súbito se torna tão pessoal, tão íntimo, tão meu... Como é que aquela vaca se atreve, o teu nome na boca, a mastigá-lo, acordar na tua cama, telefonar-te aos fins-de-semana, passar-te as camisas a ferro? E eu, eu serei sempre a outra, a que não ousa proferir essa palavra mágica, a que sempre te chamará Doutor, Senhor Doutor, ou Soutor, como dizia a minha madrinha, com aquele ar insuportavelmente labrego de que nunca se conseguiu despir completamente. Depois, estico os dedos, as unhas longamente nervosas, e componho o cabelo, porque oiço-te os passos e sei que já lá vens, e não, não quero que me vejas a expressão de despeito. Componho o melhor sorriso, enquanto as orelhas me escaldam. O Olá, Doutor! sai-me apressado da boca e bate-te no peito, ao mesmo tempo que os ouvidos fazem por esquecer a música que o teu nome acenderia, inesperada, na minha voz.

Sem comentários: