terça-feira, junho 08, 2010

Privilégio

Ouvir, esse gesto pretensioso.
Deixar alguém falar, apenas. Sem querer dar-lhe nada a não ser o eco das suas próprias palavras.
O que é isso de ajudar, afinal? É colocarmo-nos no lugar de outra pessoa? Dizermos o que faríamos se fosse connosco? Dar conselhos? Dar a nossa opinião?
Ouvir? Mas alguém ouve realmente? Ouvimos, e logo estamos a pensar no que sentimos; ouvimos e logo nos lembramos de algo parecido que aconteceu connosco, e de como isso nos marcou; ouvimos, e procuramos compreender, sentir, imaginar, como se fôssemos nós, como se pudéssemos vestir a pele de alguém. De outro.
Não podemos. O que podemos é apenas isso, ouvir.
Deixar que o eco das palavras de quem fala faça sentido. Não para nós. Para o outro.
Não o nosso sentido. O nosso sentido não serve para nada.
Ajudar alguém é apenas isso: devolver-lhe a voz, devolver o sentido, devolver o riso, ou o choro, ou o que for.
Estar ali, apenas para ser testemunha.
Testemunha dessa coisa grandiosa que é alguém falar consigo próprio e encontrar no sentido das suas palavras a força para se erguer nas pernas. Para estender os braços e tocar o mundo. Para abraçar a vontade com o corpo inteiro.
Testemunha presente, solidária, afetiva.
E efetiva.
Apenas. Tão simples. E tão raro.
Um privilégio que muito poucos conhecem.

1 comentário:

Pepe444 disse...

Otimo Blog!

Visita o meu >>> http://artmusicblog.blogspot.com/