Olhos do futuro

Todos os anos, o espectáculo quase me fazia chorar, apesar de apenas ver o meu filho durante uns quantos minutos no palco. O que mais comove é sentir a força das crianças. O à vontade com que cantam, com que falam, com que dançam, o sorriso de felicidade estampado no rosto de todas elas, desde a mais extrovertida à mais tímida. E o show é sempre fantástico, cheio de uma energia que nos faz levitar. O brilho nos olhos dos miúdos, aquele brilho de quem está num sonho. Por escassos momentos, um sonho transformado em realidade.
Podem imaginar, portanto, o que senti ontem. O espectáculo é desenhado para os alunos do 6º ano, onde está o meu filho. Ele até nem tinha um papel predominante, mas foi suficiente para me encher as medidas. Muito compenetrado, lá estava ele, o head butler (mordomo) da casa do senhor rico, que resgata a menina Annie de uma vida miserável num orfanato, na Nova Iorque dos anos 30. Estavam todos excelentes, todos eles, os miúdos que conheço há 4 anos, altura em que o David entrou para esta escola. Na altura uns meninos ainda muito crianças, agora muito mais crescidos, alguns já pré-adolescentes, e outros com um ar quase adulto, dentro do figurino do seu papel. O meu filho estava assim, vestido a rigor, um personagem muito sério, onde eu consegui vislumbrar o adolescente que aí vem. Quando o fui levar, uma hora antes de o espectáculo começar, ainda não tínhamos chegado à porta e já me estava a mandar embora. Can you go, now?, repetia a cada passo, perante a minha insistência em acompanhá-lo quase até à porta. Voltei a rir-me sozinha, porque me lembro de mim com a mesma idade e do martírio que era ir a qualquer lado sozinha. É bom vermos os nossos medos derrotados nos nossos filhos. Melhor ainda, adivinhar um universo de possibilidades espantosas naqueles olhinhos a brilhar no palco, multiplicados por uma centena (e de todos conhecemos o olhar).