domingo, setembro 12, 2010

Nuvens

Era extenuante, aquela sensação de estar sempre a um passo; a um passo do abismo, a um passo do desfiladeiro por onde vê despenhar-se o equilíbrio; da garganta funda que lhe traga a luz e a paz para as devorar e cuspir com as chamas do inferno; a um passo do lodo onde se afundam as mágoas num suspiro de enxofre, cheiro putrefacto e o ódio a borbulhar num caldo morno; mas até do ódio e da raiva está a um passo. Era extenuante esse andar escorregadio e precário, sempre na corda bamba, sem saber quando cai, se cai, para que lado cair. Extenuante, esse piscar de olhos em que passa do riso às lágrimas num segundo de estupefação; dos gritos às gargalhadas, da fúria ao desamor e finalmente à indiferença num estalar de dedos, como se os sentimentos fossem biombos que escondem outros, numa metamorfose repetida até ao extermínio dos nervos, da paciência, dos músculos da face que já não sabem articular simples expressões afectivas, minados pelo excesso de ácido láctico. Era extenuante, ter sempre as lágrimas à beira dos olhos e aquelas ganas de as arrancar, como se arrancasse punhais do peito. Se as feridas, se as marcas se vissem não passaria de um corpo mutilado, espezinhado, moribundo. A alma, essa, há muito que fugiu para as nuvens.

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