quinta-feira, outubro 14, 2010

Medo

O miúdo está grande. Herdou as calças e as camisolas do irmão, algumas de tamanho 10 e 11 anos, e tudo lhe serve. O que sobra é insignificante. Cresce a olhos vistos, e os medos acompanham-no. Todas as noites se enrosca em mim e pede que me deite com ele. Umas vezes consigo que adormeça sozinho, outras não. Ontem foi uma dessas em que não consegui. Estava assustado porque o irmão lhe lera num livro que quando pensamos em coisas más elas acontecem. Tentei racionalizar e mostrar-lhe que não, não é assim, olha agora se acontecesse tudo o que de mau pensamos, estávamos bem aviados! Depois dei-lhe o exemplo do que nos chegava do Chile, no ecrã da Televisão: já viste aqueles senhores que ficaram dentro da mina, filho, durante mais de dois meses, podiam ter morrido, foi uma coisa muito má, e olha o que está a acontecer, estão a salvá-los! Uma coisa má às vezes pode tornar-se noutra muito boa! Ele dizia que sim com a cabeça e ainda mais se enroscava em mim. Abracei-o. Ficámos assim enquanto lhe fazia festinhas e falava com ele. Disse-lhe que não precisa de estar sempre assim tão assustado, que não vai acontecer nada de mal. Falei-lhe do acidente que teve aos dois anos, quando partiu a perna, e disse-lhe que foi um susto muito grande, mas que também não foi assim tão mau; afinal agora já está bem, há coisas muito piores. Ele ainda se lembra de tudo e recorda-se de outro incidente menor que lhe aconteceu alguns meses depois, em que quase caiu para dentro de um lago. Na verdade, apenas mergulhou o pé na água, ao desequilibrar-se. O acontecimento, contudo, ficou-lhe marcado como quase uma tragédia. Também se lembra de todos os pormenores e até diz que nós estávamos distraídos e que se não tivesse gritado não tínhamos dado por nada. Novamente tentei acalmá-lo, mostrando-lhe como não foi nada de mais; o lago nem era fundo. Na cabeça dele, porém, não foi bem assim que as coisas se passaram, e parece-me que ainda sofre por todos esses sustos. E eu, eu que conheço tão bem o medo, do avesso e do direito, fico sem saber o que dizer. No fundo, não há nada para dizer.