domingo, dezembro 12, 2010

Cala-te



























Pelo amor de Deus, escreve sobre outra coisa qualquer que já não te posso ouvir sempre na mesma conversa. Sei lá sobre quê! Olha, sobre os miúdos, há quanto tempo é que não falas dos miúdos? De como o mais velho parece crescer todos os dias, de como vai bem na escola e faz os trabalhos todos sozinho, que tu as mais das vezes nem sabes o que anda ele a estudar, e de vez em quando lá te lembras de lhe ir espreitar os cadernos, e ficas parva com a quantidade de coisas que ele anda a aprender, e perguntas-te como pode ser possível que não lhe note nehuma ansiedade, afinal a mudança foi tão grande, e ele sempre foi um pouco avesso às mudanças, pelo menos era assim, e se agora já não é isso só pode querer dizer que também ele mudou, está mais crescido, mais confiante, e tu ficas toda orgulhosa, não mintas, porque sabes que toda essa auto-confiança não nasce de geração espontânea, pois não, e há muito de ti, sim, muitos dos teus dias e das tuas noites e dos teus braços e das tuas mãos e da tua cabeça também, pois claro, muito, muito que deste e que deixaste de ser e que até te esqueceste de pesar, apenas entregaste sem pensar, porque é assim, muito de ti que agora é dele. Escreve sobre o mais novo, sobre a peça de teatro da escola, sobre a emoção de o ver no palco a dançar e a cantar com a turma, não só a ele mas a todos os outros miúdos, tu até já sabes porque já assististe a tantas outras peças de teatro, mas quando lá estás parece sempre que é a primeira vez, e voltas a emocionar-te da mesma maneira. Escreve sobre como os dois de vez em quando ainda te dão cabo da cabeça com os gritos e as correrias dentro de casa, como se tivessem ainda cinco anos, que isto o tempo passa mas há coisas que nunca mudam. Sobre os palavrões sempre prontos a sair da boca do mais velho, imitado pelo mais novo, claro está, e de como tu te tens de esforçar para não rir, tantas vezes, por causa disso. Sei lá, pá, escreve sobre a árvore de natal, que bonita que está, sobre o entusiasmo do mais novo a ajudar-te e a indiferença do mais velho. Sobre os chocolates que desaparecem num abrir e fechar de olhos. Fala sobre a magia das luzes e de como isso te lembra as árvores de natal da tua infância. Aproveita e faz uma viagem até àqueles natais de mesa cheia na casa dos teus avós, com o calor e o vinho e as gargalhadas a acompanhar. Já escreveste sobre isso tudo? Então olha, cala-te, mas é.

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