sexta-feira, fevereiro 18, 2011

Porquê?

Não ter palavras. Não ter voz. Não ter paz. Não ter nada, ou antes, ter tudo o que de bom grado deixaria para trás. Não ter cara. Não ter vergonha. Não ter medo. Não ter caminho. Não ter fé. Não ter esperança. Abotoar o casaco de manhã apenas por preguiça, e cada botão transformar-se subitamente numa ambição. Não ter coração. Deixar as tripas de molho por inércia; a chuva que se avizinha e esta merda que não desgruda, o melhor é deitá-la fora; fora da vista, fora do centro, fora de mim. Conhecer tão bem o medo e afinal nada, não conhecer nada, não lembrar nada; e aos poucos ir esbarrando nos velhos fantasmas; como se velhos conhecidos, pelas ruas; então, há quanto tempo?, então, estás mais gorda!, então, como vai isso?; e de repente sentir e cheirar e ver; uma pequenina lembrança, uma imagem, uma fotografia; e ter de virar a cara, não olhar; porque a dor, a dor, a dor, essa é a mesma, a mesma de sempre, tão bem se lhe conhecem os passos; e que faço aqui, afinal? Quem sou eu? De onde venho? E o que quero? Querer e nunca ter, nunca ser, nunca chegar; ficar parada na esquina, como quem observa a vida a passar; porém é um engano, uma mentira, um faz de conta para entreter mortos. Mortos na estrada. No passeio. Na porta de casa. Dentro da cama. Avançar e só ver mortos. Talvez amanhã ressuscitem e se sentem contigo à mesa do pequeno almoço. Talvez. Não percas a esperança. E vais poder falar-lhes, então; vais poder perguntar-lhes porquê. Porquê. Porquê?

Sem comentários: