Deve ser um novo lema nacional: estamos na merda, mas ai de quem nos venha dizer para sairmos da merda. A merda é nossa, nós é que sabemos o que fazer com ela. A merda é nossa e até nem cheira assim tão mal. E deixem-se mas é estar calados, que podíamos estar pior. Se pararmos para pensar, se calhar até estamos; mas a minha merda há-se ser melhor que a tua, ou qualquer coisa do género. Ou então é ao contrário, quem te julgas para protestar, acaso não sabes que esta merda já não se endireita? Olha que eu já cá ando há muito, e no meu tempo é que era merda mesmo a valer, sabes lá tu o que é merda a valer! Enfim, se não fosse trágico, era cómico.
E, no fundo, é cómico. Ou então sou eu que prefiro rir a chorar. Afinal, temos uma democracia; não somos a Tunísia, nem o Egipto, nem a Líbia; tão pouco Angola. Temos o direito de nos manifestar em praça pública, temos direito ao voto; temos uma democracia, sim; mas e o que fazemos com ela? Não fazemos nada, e isso é que é confrangedor. Atiramos antes areia para os olhos uns dos outros, o que é pior. Ai agora querem protestar? Mas protestar para quê? Então não querem ver os licenciados desempregados, coitados, a viver em casa dos pais; do que é que se queixam? Geração quê, à rasca? Bem dizia o outro que há vinte anos os apelidou de geração rasca - gente que está à espera que as coisas caiam do céu! E estes parvos agora dos Deolindos, eles lá sabem quando dizem que são parvos, deve ter-lhes fugido a boca para a verdade. E esta febre agora com estes atrasados mentais dos homens da luta, qual luta, meu, qual luta, a luta é cada um a lutar pelo seu, que cada dia está tudo mais caro e ninguém nos dá nada de bandeja. Esses gajos sabem lá o que é a luta!
É isto que fazemos com a nossa democracia. Porque a temos, é bom que não esqueçamos, e se não a exercemos, a responsabilidade é exclusivamente nossa. Ai o Jel é um atrasado mental? Se calhar até é, mas atrasado mental por atrasado mental eu prefiro um que me diga que é preciso ir para a rua comemorar. Comemorar o quê, perguntam os espertos da vida. Comemorar isso mesmo: o facto de podermos ir para a rua. O facto de nos podermos manifestar e demonstrar o nosso descontentamento. É para isso que serve a democracia, para podermos protestar quando não estamos contentes com a situação. Quem está contente não proteste, mas deixe os outros protestar. E já agora, votem. Exerçam o vosso direito, em vez de ficar em casa ou ir de férias em fins de semana prolongados, porque o meu voto não vai fazer diferença nenhuma. O pessoal na Líbia, no Egipto, em Angola, está a lutar por isso, pelo direito ao voto. O que é que nós fazemos com esse direito? Deitamo-lo no lixo, com a desculpa de que não vale a pena o esforço.
Portugal tem uma democracia. Exerçam-na. Manifestem-se. Protestem. Há muito por que protestar, desemprego galopante, ordenados e pensões de miséria, trabalho precário, irregularidades fiscais e financeiras, corrupção, a lista é interminável. Quem gostar da merda que a coma ao pequeno almoço.
5 comentários:
Lucidez e palavras certas Papu.
Deixam chegar a situação a este ponto e só agora vêm para a rua dizer que se está mal e é preciso mudar. Usem os meios que a democracia possibilita, utilizem os partidos existentes, criem novos,organizem-se e apresentem soluções, votem. Não basta dizer que está mal e esperar que outros solucionem, temos que fazer parte da procura da solução e se assim não for ficaremos muito pior. O mundo está em grande mudança e a vida em sociedade só se consegue melhor com muito trabalho politico e entrega.
atenção, que eu não gosto de ser mal interpretada. Algumas das palavras acima são irónicas. Acho muito justo o protesto; não creio que seja preciso escrever uma tese de doutoramento sobre o assunto para se ganhar o direito ao protesto. O protesto é o tal direito que ganhámos com a democracia e que tão facilmente esquecemos porque estamos embrenhados nesta vida do deixa andar e não vale a pena porque assim não se vai a lado nenhum. O protesto é uma voz poderosa, tal como se viu ontem, em que mais de 300 mil pessoas saíram à rua em todo o país, pessoas de todas as idades, unidas numa mesma realidade: o descontentamento face à situação actual. Quem está contente com a situação, ou acha que com protestos não se vai lá, que fique em casa. Mas que não menospreze nem amesquinhe quem exerce o seu direito ao protesto. É isso que não entendo; essa necessidade de ridicularizar, de se mostrar superior a essa "cambada de enrascados que nem sabe bem porque é que está a protestar." As pessoas sabem muito bem as razões que as levaram à rua, e não, não precisam de escrever teses sobre o assunto nem de enunciar as suas reivindicações por alíneas. Aliás, muitas das razões estavam escritas em simples bocados de papel que eram erguidos com a mão. Mais simples não pode haver. O descontentamento, a indignação perante a injustiça, são universais e estão dentro de todos nós, os que vivem a realidade social contra a qual protestamos. Não precisamos de mais nada para gritá-lo.
É verdade que vivemos numa democracia em que o capital tem demasiado poder, mas até agora na evolução da sociedade é a forma de organização política que permitiu uma vida melhor. Nós em Portugal tivemos uma longa ditadura, em que a luta de alguns contra ela foi muito dura e persistente. Quem a viveu não compreende a apatia da maioria dos jovens com escolaridade a níveis de frequência e qualificação extraordináriamente maiores que os do passado. Gente já no mundo do trabalho tem a mesma indiferença pela procura de soluções. Nos sindicatos decrescem os militantes e a intervenção. Estamos mal, mas temos que compreender que muito por culpa própria.
Direito ao protesto? É evidente, é básico na democracia, mas longe de chegar. Há que usar a democracia e o que ela nos possibilita para que façamos a sociedade melhor que pretendemos. Mas tenhamos presente, que o descontentamento generalizado sem propostas concretas e sem estratégia na actuação política, entregou no passado o poder a quem muito mal o utilizou.
Mussolini, Hitler, Franco e Salazar implantaram-se assim.
Espero ajudar a minha interpretação.
Sim, claro, concordo contigo nesse ponto. Não basta protestar... Mas é o primeiro passo. Nos últimos tempos assistíamos a uma apatia generalizada; pode ser que as pessoas estejam a acordar. Ou talvez não. Só o futuro o dirá :)
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