quinta-feira, junho 09, 2011

Vermelho

A hemorragia é grave. O sangue não estanca. O sangue, porém, não sai do meu corpo. São as casas, as ruas, as árvores à minha volta. A cor do sangue aquece-me por dentro. Vislumbro um coração enorme, cheio de artérias e ramificações capilares que se perdem em avenidas, ruelas, bairros periféricos como satélites secundários. Do centro vem a luz, a mancha de sangue. Uma poça de lama, barrenta. E não, não são as minhas feridas. Tenho por elas um carinho maternal, mas não são minhas. Aquilo que me une a ti é apenas a constatação da minha própria dor; o conhecimento dos caminhos dessa mesma dor. De resto, não há nada a unir-nos. Aquilo que vejo em ti e que sinto necessidade de proteger e abraçar sou eu mesma, a criança que abandonei. Consola-me pensar que tens algo meu e que nem o sabes. De ti, não quero nada. Nunca tive nada. Os restos que me deixaste, as braçadas de árvores mortas, abandono-os à tempestade. Não tenho pena. Antes levadas no vento. Para bem longe de mim.

A mancha de sangue, ao meu redor, continua a alastrar. Às vezes faço por não vê-la, mas já sei que é inútil. Nenhum esforço consegue anular a fúria dessa cor fantástica que é o vermelho.

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