quinta-feira, julho 14, 2011

Ninguém viu

A rua estava deserta.
Ela também.
Às vezes pensava em meter-se dentro de alguém que passasse. Enfiar-se pela boca, de mergulho, e aninhar-se nas entranhas, ao fundo do estômago, na curva dos intestinos, na estreiteza da vesícula, ao lado do coração, no baloiço da respiração. Ficar ali, quietinha, quentinha. Andava pelas ruas mal iluminadas, à luz dos candeeiros e da lua, e ia dizendo para dentro, este sim, esta não, aquela é que era. Uma puta na esquina, de mini saia a rasgar a curva das pernas, perigosamente abertas; àquela podia saltar-lhe para dentro do pito, aí é que iam ser noites loucas. Um bêbado pisado, amarrotado no chão, vomitando as tripas; este não, que para náufraga já me basto eu. Um homem mistério, envolvido num sobretudo escuro, os cabelos escorridos ocultando o rosto, um rasto a perfume de cachimbo acabado de fumar; nos teus pulmões é que eu queria morar. E voou feita pena, saltou feita bola e desfez-se no ar e entrou-lhe pelas narinas numa inspiração mais profunda. E ninguém viu.

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