segunda-feira, julho 18, 2011

Amigo

Acordou e deixou-se ficar dentro do sonho.
Não que fosse um lugar agradável ou quentinho; pelo contrário. Estava seca, contraída, na nuca aquela sensação desconfortável de ter dormido para o lado errado. No pescoço o esforço dorido dos músculos exaustos. No peito aquela pontada que conhecia tão bem.
Há idiotas que pensam que o medo é a ausência do amor. Que o medo é uma espécie de território das trevas onde uns gajos assim meio masoquistas, cegos para a luz e para a clarividência, gostam de se enterrar.
E, como bons idiotas, nem se apercebem da sua própria e confrangedora ignorância.
Havia dois medos que lhe ocupavam o quarto. Um estava dentro de um espelho muito antigo, que não se atrevia a olhar de frente. Era um medo monstruoso, feito de cabelos e nuvens muito escuras. Tinha garras, este medo. E dentes. E facas. E outros objectos fálicos que nem vale a pena enumerar.
O outro medo era pequenino. Uma criança com uns cinco, seis anos. Este medo tinha-lhe dado a mão já há muito tempo, e abraçava-a e confortava-a sempre que era preciso.
Era, de tudo o que tinha, o mais parecido com um amigo.

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