quarta-feira, setembro 21, 2011

Curtas

O mais novo cortou os caracóis. Estava com uma cabeleira enorme. A mãe olhou os caracóis no chão do salão, e lembrou-se. Os cabelos caídos, descartados, ainda retêm o brilho de antes. Podia encher uma almofada. A mesma frase. Tantas vezes. O mais velho agora cozinha na escola. Cozeu massa, fritou bacon, picou cebola e tomate para um refogado, enquanto a mãe supervisionava e ajudava. No dia seguinte levou os ingredientes para a escola num saco de plástico. O mais novo tem natação às quartas e é por isso que cortou o cabelo. Quando se viu ao espelho disse que não gostava do cabelo assim tão liso. A mãe sorriu e disse-lhe que ele estava muito bonito, só ainda não estava habituado a ver-se sem os caracóis. De manhã, no recreio da escola, o amigo disse-lhe que ele estava muito bem assim. A mãe ouviu a conversa, um pouco afastada, e sorriu. Sorriu muito, até se riu. No recreio o filho mantém a distância. Quase nunca se esquece de lhe acenar quando entra, mas às vezes esquece-se. Já não há beijos em público, e mãos dadas só para atravessar a estrada. Depois tira a mão pequenina da dela, e caminha ao seu lado.
O mais novo está a ficar mais velho.

2 comentários:

Helena Araújo disse...

Essa da almofada lembra-me o que eu dizia ao meu filho enquanto lhe passava os dedos pelo cabelo: tens aqui lã suficiente para uma camisola. Depois ele começou a dar-me um beijinho de despedida dois cruzamentos antes da escola. E agora já não me deixa passar os dedos pelo seu cabelo.

Alex disse...

Delicioso texto ...