Escreve-se com medo do escuro, do passado, de fantasmas mais ou menos imaginários, do falhanço, do ridículo, de tudo e de mais alguma coisa; porém, com medo de escrever não se escreve. É evidente que o medo nunca é do que se vai escrever, mas sim do que isso vai suscitar, do que vai acordar em nós. Todos temos os nossos quartos escuros que preferimos manter na penumbra. Escrever é iluminá-los. A gente pode arranjar personagens e enredos, mas cá no fundo sabemos que é de nós mesmos que saem as palavras, mascaradas de outras realidades, para que a exposição não seja demasiada. A exposição é sempre demasiada. Por isso assusta. Não se trata apenas de saltar para dentro da cabeça deste homem, este homem que é quase uma lenda na minha família. As lendas têm este poder mágico de nos transportar para épocas inenarráveis; nada melhor para quem se tenta esconder atrás de um personagem. Não, no fundo é outra coisa. No fundo esta viagem é um luto, e os lutos são sempre penosos. Os lutos abrem-nos portas que preferíamos manter cerradas para sempre. Acordam fantasmas que nem nos piores pesadelos ousam visitar-nos. O medo que nos assombra os pesadelos é, apesar de tudo, suportável. Pior do que o mais atroz dos pesadelos é não conseguir sonhar.
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