quarta-feira, março 21, 2012

O retrato na estante

Talvez tenha pudor. Pudor de entrar para dentro da cabeça deste homem. E quem diz cabeça, diz qualquer parte do corpo. E porquê? Ora porquê, porque é ele o personagem principal da história, afinal é em seu torno que a terra gira, ou melhor, que a história gira. Cresci ouvindo a minha avó contar histórias sobre ele, o seu nome vindo à baila nas conversas de família. Cresci com o seu retrato ao lado do telefone preto, pesadíssimo, daqueles do século passado. Olhava o rosto imóvel, os olhos profundos por detrás dos óculos, a barba branca, e não sabia quem era, muito menos que um dia ainda iria escrever sobre ele. E depois há aquela espécie de aura à sua volta, assim quase como se se tratasse de um santo, solteiro e sem filhos, ainda por cima. Um patriarca da família e da terra que o viu nascer, um benfeitor, uma espécie de mecenas; um empreendedor, republicano; um grande homem, em suma; e como é que se escreve sobre um grande homem? Não, não é esta a pergunta, porque escrever até se escreve; não há nada mais fácil do que escrever apenas; mas como é que se salta para dentro da cabeça de um homem assim? E quem diz cabeça diz qualquer parte do corpo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Vou querer ler isso. Também para mim é um personagem fascinante.
Que bom que é ter alguém que faça a papinha toda. Depois é só saborear.

Beijos

Jorge Falcato