Esquece quase tudo.
Há quantos dias fez a sopa.
Dos óculos dentro da carteira.
De levar os sacos das compras para o carro. E depois, esquece-os no porta-bagagens.
Do recado para a professora do filho.
Do que ia dizer a seguir.
De marcar a consulta no dentista.
Dos números de telefone que dantes sabia de cor.
Do que fez ontem para o jantar.
De onde deixou o telemóvel.
Esquece quase tudo, e recorda quase nada.
Mas lembrar-se, lembra-se de tudo.
Lembra-se do amigo que morreu há 22 anos.
Da criança que perdeu há 36.
(Lembrar não é o contrário de esquecer.
Lembrar é guardar algo para sempre, ainda que doa, que sangre, que mate.
Guardar e acarinhar.
Esquece-se para poder recordar.
Recordar é confabular. Construir uma memória.
Uma história.
Recordar é dar sentido ao que esquecemos.)
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