Quando acabamos de escrever um calhamaço, 3 anos depois de ter começado, sentimos como se as palavras nos tivessem saído das entranhas. Sim, é uma espécie de zelo e amor maternal, aquele com que, embevecidos, olhamos a nossa obra acabada. E, para fazer justiça a tão empenhado sentimento, começamos a olhar o nosso "filho" exatamente como se fosse isso mesmo: amamos-lhe os defeitos com o mesmo enlevo com que lhe amamos as qualidades. Aliás, as qualidades e os defeitos parecem existir na proporção exata para que o resultado nos pareça perfeito. Por outras palavras, alucinamos. O que temos à frente deixa de ser o produto do nosso trabalho, para se tornar em algo saído da nossa própria carne, da nossa alma.
O que vale é que há quem nos desperte do delírio, e, de uma assentada, nos devolva a realidade. Aquilo que fazemos com as nossas mãos (ainda que a alma também esteja implicada no processo), é apenas isso, um produto das nossas capacidades criativas, e, como tal, passível de ser melhorado. Infinitamente melhorado. Aquela máxima de que podemos sempre fazer melhor é muito mais do que isso, é uma constatação inteligente do nosso potencial criador, que é ilimitado. Podemos sempre melhorar, sim, e mal de nós quando achamos que não, quando nos convencemos de que o produto acabado do nosso esforço está mesmo acabado, e na perfeição. A perfeição, essa, é que é inimiga da motivação. Um livro, uma estória, nunca está acabada; aliás, as estórias contam-se a elas mesmas; nós apenas delineamos esboços, atalhos, caminhos; é nossa a escolha de colocar o ponto final. Mas aquilo que escrevemos, e a forma como o fazemos, é apenas uma, entre muitas, tantas possibilidades.
100 páginas a menos depois, posso dizer que me sinto privilegiada por me ter sido dada a possibilidade de fazer melhor. Muito melhor.
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