Se vierem as aves, as águas, os ventos e as tempestades, eu estarei aqui. Venham a mim as gotas de todas as chuvas, de todos os mares e lagos e estuários; venham a mim as brisas escorrendo das montanhas e dunas e praias exóticas; os gritos das gaivotas e os ares gelados dos polos; a mim os espelhos das cachoeiras distantes, água fundindo as pedras, poeiras cósmicas no infinito silêncio dos tempos. Sempre aqui estive, e aqui ficarei. Quieta. Sou uma pedra no fundo dos mares,confundida com um desses peixes rastejantes, criatura translúcida, incompreensível, um feto imerso no oceano amniótico, a boca inexistente sem palavras nem voz. Escondida, invisível. Perfeitamente encaixada, camuflada na paisagem. Um oceano de dores, o fundo deste mar. O meu mundo. Aquele onde ninguém entrava e de onde ninguém saía. Ninguém sabia. Só eu, e as barbatanas que me nasciam dos braços, e os silêncios que me cresciam entre os dedos, e os abismos que me deslizavam corpo abaixo, sem nunca saber o fim, nem nunca sentir o fundo. A vertigem. O medo. Sombras que se movem nesta penumbra de séculos; sombras que, em vez de acontecerem no encontro da luz com o mundo, sempre viveram aqui, comigo, na escuridão. A mesma escurisão que eu, de tanto temer, aprendi a amar.
O tipo de amor que se dedica àquelas forças obscuras que, por não conseguirmos combatê-las, nem dominá-las (muito menos compreendê-las), achamos melhor ter do nosso lado. Para não acabarmos esmagados por elas.
Poderá a isso chamar-se amor?
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