Quando aterrámos neste país cinzento, o tempo passou a andar de outra maneira. As coisas tornaram-se mais lentas, sentidas ao pormenor, como se os sentimentos se tivessem desdobrado e enchido a dimensão do espaço à nossa volta. A primeira coisa que me faltou foi o sol. Lembro-me que só o vi espreitar, timidamente, atrás de uma nuvem escura e pesada para aí uma semana depois de ter chegado. E, apesar de não ter sentido sequer o seu calor, a visão daquela luz aqueceu-me a alma por dentro.
Através das janelas da escola espreitava-se o interior das salas, paredes cheias de desenhos e pinturas, e crianças sentadas nas suas carteiras, ou de pé entregues a qualquer actividade. Havia crianças de todos os cantos do mundo... e pais de todos os cantos do mundo também. No grupo que se formava cá fora, à espera que os filhos saíssem da sala, ouviam-se tantos idiomas quantas caras diferentes se viam.
Daí a menos de um mês aquela tornou-se a escola do David. Passei a fazer parte, eu também, do grupo à espera, tantas vezes debaixo de chuva. Nos primeiros dias andava um pouco triste, falava muito nos amigos de Portugal e dizia muitas vezes que não queria ir à escola. Aos poucos foi ganhando confiança, até que por fim já corria pelo jardim como as outras crianças, todos os dias de manhã, antes de o sino tocar e formarem uma fila, cada uma para sua sala. O Diogo também o acompanhava nas corridas, e para mim era um bálsamo, começar assim o dia, a ver os meus filhos felizes e a correr.
Quando chegámos, o Natal estava em todas as portas, espreitava de todas as janelas, iluminava as paredes das casas em assombros de luzes de todas as cores. Nós não tinhamos casa, vivíamos num quarto minúsculo onde mal tinhamos espaço para nos mexermos, e à noite quando punhamos os dois colchões no chão para dormirmos os quatro, mal sobrava espaço para pôr os pés no chão.
Dentro do carro estava quentinho. Lá fora a chuva caía, lentamente e sem ruído, e o frio cortava. As pessoas passavam no passeio debaixo de guarda-chuvas. Dentro das casas, adivinhava-se calor, famílias reunidas, e o Natal acendia-se nas luzes de mil cores. Dentro do carro os meus filhos tinham adormecido, embalados pelo movimento e pelo calor. Eu continuava acordada e a chuva no vidro confundia-se com a lágrima que espreitava por entre as minhas pestanas. O David abriu os olhos a meio de algum sonho, olhou em volta como que a perguntar-se onde estava, e disse, “Mãe, porque é que não vamos para casa?” Eu respirei fundo, agora a lágrima finalmente tinha rolado pela minha cara abaixo, fechei os olhos e respondi, “Já vamos, filho, já vamos para casa”.
1 comentário:
Por isso dizem que o sofrimento faz escritores...
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