Lembram-se dos 101 dálmatas? Lembram-se dos cães de todos os jardins a ganir à lua, passando a mensagem do paradeiro dos cachorrinhos? Pois bem, essa estória não se pode ter passado em Londres. Pelo menos, esta onde vivo.
Ora, estava eu uma noite na cozinha, quando sou surpreendida por um ladrar a rasgar o silêncio. Parei imediatamente o que estava a fazer, e pus-me à escuta. Teria ouvido bem?
Da sala chegava-me o som da televisão, e de repente novo ladrar, mais forte do que o anterior. Desta vez não tive dúvidas.
O que é que isso tem de mais? Eu explico: sabem aqueles sons de fundo que não nos deixam usufruir do silêncio, que a gente às tantas confunde com o silêncio, e que só damos por eles quando de repente cessam, sem motivo? E os nossos ouvidos, já habituados àquele ruído branco e monótono, de súbito estranham, e ouvem... o silêncio?
Pois bem, o ladrar do cão teve mais ou menos o mesmo efeito nos meus ouvidos e cérebro. É que, quando o ouvi, estranhei. Um som tão familiar, era, súbita e inexplicavelmente, completamente estranho. E porquê? Porque, simplesmente, deixara de os ouvir. E não me apercebera ainda. Como o ouvido acostumado ao ruído, que confunde com o silêncio. Eu, foi mais ao contrário: confundi o silêncio com o ruído. O silêncio dos cães. Ainda não tinha reparado nele, até àquele ladrar.
É isso mesmo: os cães de Londres são inocentes silenciosos. Pura e simplesmente, não ladram. Mas como?, estão vocês agora a perguntar-se. Good question. A mesma que fiz, incrédula, ao meu marido, quando vim até à sala confirmar que aquele ladrar só podia vir da televisão!
Claro que um especialista em treino de animais terá uma explicação lógica e coerente para esta questão. Para mim, contudo, permanece um mistério. Um cão a ladrar é a mesma coisa do que um coração a bater. E se há quem diga que "cão que ladra não morde", o que se poderá dizer de “cão que não ladra”?
Reconheço que se todos os cães dos quintais em redor ladrassem até altas horas talvez fosse impossível dormir de todo, e prezo muito o sossego destas ruas. Mas faz-me confusão. Não paro de pensar nisto. Nos cães sem voz. No silêncio destes inocentes.
Por isso é que vos digo que aquela cena dos 101 dálmatas não se pode ter passado aqui, nesta Londres, onde os canídeos são mudos. Ou foi pura imaginação, ou foi antes de o latir ser proibido nas ruas.
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