Vai fazer dezassete anos em Julho,
encontrava-me eu no final da gravidez do meu primeiro filho. Os dias eram
longos e quentes. Todas as manhãs, depois do banho, ficava largos minutos
sentada na beira da cama, nua, já seca, passando creme na pele. Aproveitava para
massajar a barriga e quedar-me num silêncio onde tentava vislumbrar o momento
em que finalmente seguraria o meu bebé nos braços. Hoje sei que esse silêncio
era preenchido pelas palavras que dizia ao meu filho. Há muitas ideias feitas
sobre a gravidez e uma delas é a de que as grávidas falam constantemente com os seus
bebés. Nessa altura achava que eu devia ser a excepção, mas agora compreendo
que não, que para se escutar um filho no ventre é exigido silêncio absoluto. E sem escuta não há verdadeira conversa.
Nesse silêncio eu dialogava com o futuro. Eu via.
Imaginava. E, naquele segundo, ansiava por ficar dentro daquela espera, que era
uma espécie de redoma, de gravidez do avesso (estava grávida de mim, em
simultâneo; grávida da minha maternidade); desejava ficar dentro desse
útero para sempre. Uma languidez, uma preguiça apoderava-se da minha
consciência; eu queria sonhar, fechar os olhos e não mais pensar; queria
deter-me a um passo de acordar, mergulhada no lago morno da minha imaginação;
sentir o meu filho nadando dentro do meu ventre e saber que ali, no âmago de
mim, estavam todas as possibilidades por nascer. Todos os dias, tardes, manhãs
por estrear. A vida em rebento. Um mundo por descobrir. Desbravar. E saber de
antemão que desbravá-lo, tocá-lo, cheirá-lo, conhecê-lo de facto, ainda que
acima de tudo o mais desejado e antecipado, representa um prenúncio de
desilusão. Porque na imaginação cabe tudo o que sobra na realidade. Aquilo que
ainda não é contém a promessa do que nunca será. Porque a vida, a terra, o mar,
o vento, as tempestades, desgastam. Deixam marca. Erosão. A liberdade que mora
na inexistência é, porventura, a única e verdadeira: porque só aí nos
reinventamos, recriamos, transcendemos.
Os filhos, no entanto, acabam por nascer. Os
livros também. Não aqueles com que sonhámos; nunca esses. Perdemos essa
liberdade, sem dúvida: a de imaginar um futuro. A de criar uma vida. Não somos
nós, porém, que criamos a vida, é a vida que nos cria. Quando trazemos a criança à luz
estamos a entregá-la à vida. Dentro da nossa barriga ela pertence à vida que
lhe damos com o nosso sangue: o amor. Fora de nós, pertence à mesma vida que
nos fez, que nos trouxe até aqui. E, por conseguinte, o destino dessa viagem
deixa de nos pertencer. Serão eles a encontrar o caminho. Quanto aos livros, o
caminho é já o fim de uma viagem. As dores de parto começam assim que escrevemos a
primeira palavra.
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