terça-feira, junho 21, 2005

PRIMEIRO DIA DE ESCOLA

No primeiro dia de escola do David imaginei-me a levá-lo, de manhã, na longa viagem de uma hora em que teríamos de apanhar dois autocarros. Imaginei-me ao lado dele, a minha mão segurando a sua mão pequenina, como tantas vezes acontecera durante cinco anos, em que sempre fora eu que o levara, primeiro para a creche, aos 15 meses, no Infantário da Pena, depois para a Cebe, depois em Alcochete... Estou a exagerar, não fui sempre eu que o levei de manhã, muitas vezes o pai também o levou, o que eu queria dizer é que nos momentos cruciais, naquelas alturas em que ele mudou de escola e ainda não estava bem ambientado, ou mesmo quando entrou para a creche, aos 15 meses, fui sempre eu que estive com ele, nos momentos em que chorou agarrado às minhas pernas porque não queria ir para a escola, nos momentos em que, já sem chorar, denotava alguma insegurança por qualquer motivo.
De maneira que imaginei que seria eu, mais uma vez, a acompanhá-lo em mais um passo difícil.
Imaginei, disse bem.
Porque quando confrontado com a pergunta, então quem é que queres que te vá levar à escola amanhã? Ele respondeu prontamente: o pai!
O pai, claro! E de que outra forma poderia ser? É claro que neste momento, o pai é muito mais importante! Além de ter passado tantos meses (foram só 3, mas para ele foi uma eternidade) sem o pai, é claro que nesta fase da sua luta o pai é decerto a figura mais importante para o acompanhar em mais esta batalha!
Mas onde é que estava eu que não tinha percebido isso ainda?
Acho que estava deslocada no tempo, a imaginar o meu filhote... ainda assim meio bebé, talvez...
Confesso que a minha primeira reacção foi assim meio... oooh, mas era eu que queria ir... É que queria lá estar, mais uma vez ao lado dele, como sempre estivera antes sempre que um passo mais difícil tinha de ser dado... Confesso que fiquei um pouco triste... Ainda por cima era impensável irmos todos, pois tinhamos de sair por volta das 15 para as 8, o que queria dizer que teríamos de nos levantar para aí às 15 para as 7, e levantar o Diogo da cama ia ser difícil e desnecessário...
Mas depois, no minuto a seguir, deixei-me sorrir. Porque de facto o meu filhote estava a crescer, já não era o bebé que precisava da presença da mãe para se sentir seguro, agora era com o pai, como seu companheiro, que ia travar a caminhada, e isso era sinal que ele estava diferente, mais crescido, mais independente, mais autónomo... portanto no minuto a seguir deleitei-me com este facto, com o facto de o ver a crescer e isso ser tão bom, afinal o tempo passa, mesmo sem a gante dar por isso, e as coisas mudam, e é bom que mudem, a vida é constante movimento e mutação, e é isso que nos faz estar vivos.
E afinal, no dia seguinte, de manhãzinha, quando lhe dei um beijo e os fiquei a ver afastar, à porta, a tremer com o frio que fazia lá fora, e depois quando espreitei o autocarro a passar lá em baixo a ver se os via lá dentro sentados, no banco de trás como ele gostava (é claro que não vi nada) o meu coração estava sereno. E pensei tanto nele e imaginei tanto como se teria passado aquele momento que acabei por estar lá, com ele, como eu desejava. Não estive presente em corpo, mas estive em espírito, em pensamento. E isso teve tanta força que hoje quando penso no primeiro dia de escola dele é como se de facto tivesse lá estado, a minha memória guardou um acontecimento que não presenciei de facto mas que vivi, mesmo ausente. De tal forma que por duas vezes já tive de escrever sobre um acontecimento importante vivido aqui, e sempre escolhi o primeiro dia de escola do meu filho, e sempre escrevi que o levei à escola, e descrevi todas as emoções que senti como estando lá. Porque de facto foi assim que senti, foi assim que vivi esse dia. Porque realmente não precisamos de estar mesmo lá, em corpo, às vezes basta-nos estar lá em pensamento, em desejo. E isso é que é importante.
E tenho a certeza que também ele, o meu filho, sentiu a minha mão grande na sua pequenina, e sentiu a minha presença a seu lado, tal como eu.

Depois desse dia foram muitos os dias em que já o levei e fui buscar à escola. Muitos os dias em que fiquei a dizer-lhe adeus até ele entrar para a sala. Muitos os dias em que o ouvi dizer, não quero ir, dói-me a barriga... Muitos os dias em que o fiquei a ver afastar-se com os outros meninos, com um ar muito triste... muitos os dias em que ficou agarrado a mim, sem lhe apetecer correr nem rir nem saltar, e se despediu com um seco adeus, quase sem olhar para mim... Muitos dias assim, muitos, longos, difíceis de passar, mas as tardes eram diferentes, eu ia buscá-lo e ele estava contente, saía animado da sala e contava-me o que tinha feito, dizia que tinha gostado, às vezes estava triste e dizia que os meninos lhe batiam ou que o chateavam, mas nada que não acontecesse também em Portugal... depois os dias foram mudando e as manhãs começaram a ser mais alegres, e ele já corria pelo recreio com as outras crianças, era como se aquele espaço, aquela escola, já fosse a sua escola, ele já não tinha aquele ar triste, dizia-me adeus às vezes já com um sorriso e deixou de dizer que já não queria ir... Foram muitos dias também em que o vi ir para a sala com um passo decidido, às vezes sem sorrir mas sem a mesma tristeza. Depois veio o dia em que falei com a professora e fiquei muito mais descansada, ela disse que ele estava bem e que se estava a adaptar muito bem, fiquei mais animada e o meu coração serenou.
Hoje ele já fala inglês, já começa a escrever em inglês, aprendeu a ler português sozinho e já escreve português também, vai para a escola contente e já tem amigos, quando vou buscá-lo está feliz e contente. E eu também, claro.

1 comentário:

Anónimo disse...

coração apertadinho ...