segunda-feira, dezembro 19, 2005

A 1ª E A 2ª BARRIGA

A primeira gravidez é calma e tranquila. Temos tempo para dormir, temos tempo para descansar, temos tempo para imaginar o bebé, temos tempo para fazer amor (bem, pelo menos até àquela altura em que já nem uma perna conseguimos levantar!).

A segunda gravidez é uma maratona. A barriga pesa toneladas (muito mais do que na primeira, mesmo que o bebé esteja num percentil mais baixo), as costas queixam-se, as pernas tremem, as dores são muito mais constantes. Não temos tempo para dormir nem para nada e ainda temos de carregar todo o peso do mundo na barriga.

Durante a gravidez, quer na primeira quer na segunda, a lei da gravidade altera-se. Os objectos ganham vida própria e estão sempre a cair para o chão... e nós sempre a ter de nos debruçar sobre a barriga para apanhá-los!

Quando nasce o primeiro filho a nossa vida fica virada de pernas para o ar. Deixamos de ter tempo para seja o que for, só temos tempo para o bebé. Até ir à casa de banho às vezes se torna uma missão quase impossível.

Quando nasce o segundo filho recordamos com saudades aqueles tempos tranquilos, quando só havia um recém nascido lá em casa. E tão sossegadinho que ele era!

Quando nasce o primeiro filho a gente não sabe nada vezes nada de bebés. Porque é que ele chora tanto? O que é que ele quer? Será fome? Serão cólicas? Dói-lhe alguma coisa? Mas ainda não está na hora de comer...

Quando nasce o segundo já conhecemos de trás para a frente a linguagem do choro. Pode-se dizer que já somos doutorados em choros, banhos, umbigos, fraldas, etc. E já sabemos que a hora de comer é quando eles têm fome...

Quando nasce o primeiro ainda não somos verdadeiramente mães nem pais. Ainda não assumimos esse papel com segurança. E damos connosco amiúde a achar que outros braços lhes pegam melhor que os nossos, outros rostos lhes despertam sorrisos que nós não conseguimos, e que outras mãos sabem melhor do que as nossas como aconchegá-lo e acalmá-lo.

Quando nasce o segundo já não perdemos tempo com estes disparates, frutos da nossa natural insegurança. Já sabemos (e sentimos) que somos a mãe e o pai, e que o nosso bebé sabe isso muito bem e que não há mãos nem braços nem colo que substitua o nosso.

Quando nasce o primeiro estamos sempre a fazer comparações. Ai o bebé da vizinha já se senta, o meu ainda não. Ai aquele já gatinha, o meu ainda não. O outro já largou as fraldas, o meu ainda não. Aquele outro já diz papá e mamã, o meu só grita e berra!

No segundo, relaxamos e curtimos os momentos e apreciamos o ritmo da nossa cria. E nem pensamos nisso. E se pensamos, é com um sorriso nos lábios: "realmente, eu dantes preocupava-me com cada coisa!"

No primeiro, qualquer alteração da rotina é uma dor de cabeça. Quando já nos adaptámos a uma coisa temos de mudar! Quando já estamos familiarizados com os biberons ou com a mama vem a sopa! Quando já conseguimos arranjar um espaço no chão para ele brincar e assim deixar-nos livres para fazer outras coisas, ele começa a gatinhar e lá se acaba outra vez o sossego!

No segundo, já sabemos de trás para a frente o que nos espera, e todas as mudanças de direcção que vão surgir. Antecipamos, gerimos, mudamos, fazemos inversão de marcha, somos peritos na condução.

No primeiro, tudo é uma descoberta (maravilhada) e um ponto de interrogação (angustiado). No segundo, revemos um filme que já não víamos há muito (maravilhados) e reencontramos antigas angústias que já não nos assustam (espantados).

No primeiro, as birras e as manhas desarmam-nos e acordam-nos medos antigos. Não queremos exaltar-nos, não queremos ser pais tiranos, ainda temos medo das tonalidades zangadas da nossa voz. E quando nos sai um grito ou uma palmada trememos por dentro.

No segundo, já vivemso todo o espectro visível e não visível das cores da tempestade. Já disparámos tiros na voz, já queimámos as mãos em inúmeras palmadas, já nos zangámos até à exaustão, já sentimos o gosto da mostarda a subir-nos ao nariz. E a nossa voz quando grita já não treme, nem teme, as várias tonalidades dos sentimentos. E já sabemos que os seus raios e trovões não matam, e que depois da avalanche virão as pazes e os abraços e os pedidos de desculpa.

No primeiro temos um imenso cuidado com todos os brinquedos que lhe damos, não vá haver peças pequeninas que eles levem à boca. Não, este ainda não é para a idade dele. Não, com este ele pode magoar-se. Os brinquedos sofrem uma selecção rigorosa e alguns vão parar às prateleiras mais altas lá de casa, onde aguardam a altura própria de entrarem em cena.

No segundo, a não ser que a gente suma com todos os brinquedos do mais velho, tal missão é impossível. E apesar do cuidado que ainda temos, lá vão parar às mãos do mais pequeno brinquedos com que o irmão nunca sonhou, com a mesma idade.

O primeiro filho encontra uma casa calma, sossegada, silenciosa, e quatro olhos e quatro braços sempre atentos e com todo o tempo do mundo para ele. O segundo encontra uma casa barulhenta, desarrumada, cheia de vida e agitação, de gritos e de risadas, de choros e de gargalhadas. E se tem de aprender a dividir os olhos e os braços dos pais desde o início, ganha um par de olhos que fala a mesma língua e outro de mãos e pernas sempre prontas a brincarem e a correrem ao seu ritmo. É incrível a maneira como os irmãos interagem e se entendem logo desde o início.

Quando nasce o primeiro filho, achamos que ele é o bebé mais bonito do mundo. E amamo-lo mais que tudo na vida. E quando nasce o segundo, achamos que ele é o bebé mais lindo do mundo, e amamo-lo mais que tudo na vida. Com a mesma intensidade e a mesma chama.

E é esta a verdade do que sentimos, das duas vezes. E será sempre assim, à terceira, à quarta, à quinta e por aí fora.

É claro que isto é só o relato de uma experiência, entre milhões. Cada um terá a sua. Mais ou menos parecida com esta.

14 comentários:

Anónimo disse...

Olá! Ouvi uma vez uma palestra dada por um psicólogo sobre o tema "os pais, os educadores e as crianças" onde ele deu o exemplo: para o 1º filho qdo cai a chupeta ao chão, fervemo-la; do 2º, na mesma situação lavamo-la à torneira; e do 3º, simplesmente a limpamos... (não será tanto assim, mas anda por lá perto), acho que é a experiencia de vida e a maturidade uma vez que obviamente vamos amadurecendo e isso tem o seu lado bom... bjitos
Ahhh! A propósito, eu tenho 3 filhas...

Pim disse...

Eu só tenho uma e, de repente, fiquei cheio de vontade de ter outro(a)
;-) ihihih
Lindo, fantástico, o teu texto, papu! Muito provavelmente o que mais gozo me deu ler desde que ando por aqui aos saltinhos no teu far far away :))))
Bom, talvez a receita dos brigadeiros esteja ligeiramente acima, pronto... ehehehe :D

Beijokaaaas*

Miduxe disse...

Gostei muito deste teu texto!
Dizes muito com poucas palavras.
Quanto à poesia, ainda não tive tempo para ir bisbilhotar...
bjs

Anónimo disse...

acho que deve ser exactamente assim. só tenho um, e não sei se quero um segundo, por problemas de saúde, por morar fora do país e não ter o apoio da família e por simples egoísmo.Mas sinto muitos remorsos desta minha semi decisão.

papu disse...

Por amor de Deus, q ninguém se sinta mal por não ter ido ao segundo! É uma decisão tão pessoal... cada um é q sabe e sente o q é melhor para si e para a sua vida... e ninguém tem nada com isso!

olhem, eu confesso: se seguisse o meu coração até ia ao terceiro. lembro-me q antes de o Diogo nascer queria três. Mas depois de ele nascer desisti da ideia (porque terá sido??) É q é mto bonito mas a verdade é q dá uma trabalheira desgraçada (vocês comprendem, não é?) Mas eu até queria... mas depois começa a minha cabeça a trabalhar: não, nem pensar, já estou velha para mais um, e depois começar tudo de novo, e qd é q eu vou trabalhar, agora tenho de trabalhar, já estive em casa a ser mãe a tempo inteiro tempo demais, já chega!!!

Mas q fica cá a vontade, fica.
Beijinhos a todos e bem vindas Ana e Carla :)

Anónimo disse...

obrigada pelas boas vindas, Papu. Só tenho remorsos por causa do meu filho. É uma vida dura para uma criança viver no estrangeiro e só conseguir comunicar com algumas palavras recém aprendidas com os amigos da escola, um irmão seria sempre uma ancora, um porto de abrigo. Volto depois do ano novo :)

papu disse...

Entendo-te tão bem, Carla... Não sei há qt tempo estás no estrangeiro, nem q idade tem o teu filhote, mas posso dizer-te: tem calma e confiança. As crianças aprendem e adaptam-se mais depressa do q nós pensamos. É claro q ao princípio é duro e cista muito vê-los tristes por não conseguirem comunicar, mas quando damos por nós eles estão no parque a brincar e a falar com outros miúdos... tem confiança... as principais âncoras do teu filho neste momento serão os pais e o apoio q vocês lhes derem... e com isso ele vai construir dentro de si uma fortaleza de força e confiança! Força!

Se quiseres podes ir aqui. Talvez te identifiques e te dê uma ajudinha...
Volta sempre :)

Unknown disse...

Olá papu

Adorei este teu texto, eu não tenho filhotes, mesmo assim identifiquei-me com ele, é como se nascêssemos assim, Mães.

Obrigada pelas tuas palavras, vi que tens outro blogue, como ando com falta de tempo, são as festas e o trabalho, passo por estes lados depois das festas, com mais tempo para te apreciar. :-)

beijinhos e boas festas

Anónimo disse...

É verdade, também me aconteceu: ele entrou na escola em Agosto muito bem, mas a seguir à semana de férias em Outubro foi-se abaixo e começou a chorar todos os dias e a dizer que a professora lhe perguntava qual das actividades ele queria fazer e que ele não percebia o que ela dizia. Na altura não me apercebi que tinham sido as férias, as brincadeiras em Lisboa com os primos durante toda essa semana que o tinham desmotivado e fartei-me de chatear a professora, a assistente, a directora, para arranjarem uma solução. Só mais tarde, lentamente, percebi a verdadeira causa: ele percebeu a diferença entre estar em Portugal e brincar em português e estar na Suiça e brincar em inglês. Até que há cerca de um mês aconteceu um milagre: caiu um nevão tão grande durante a noite que nessa manhã quando ele acordou estava tudo branco. Com a excitação de brincar no recreio com a neve até se esqueceu de chorar na despedida e desde esse dia tem estado muito bem outra vez. Mas amanhã a tarde vamos para Lisboa e o meu coração já está apertado da angústia do regresso à escola...
O Miguel tem 4 anos, e vivemos na Suiça desde Fevereiro. Antes disso vivemos 2 anos em Itália.

papu disse...

Carla: foi há tão pouco tempo... dá-lhe tempo, nestas coisas o tempo é o melhor remédio. E ele ainda é tão novinho... o David tinha 5 anos quando viémos para cá, há 1 ano, e entrou para a escola em Janeiro.

Acredita q ele está bem. O facto de ficar triste e ter saudades dos primos e de Portugal é bom sinal e é natural. Até nós temos saudades!

vais ver q daqui a uns tempos ele já tem amigos na escola e, apesar de nunca esquecer os outros que estão longe, já se vai sentir em casa!

Um grande beijinho, e vai para Portugal tranquila. É bom reverem os amigos, é bom sentir essa emoção, mesmo q depois fiquemos tistes na despedida... faz parte, não é? :)))

Sona, um beijinho e obrigada pelas tuas palavras. Também te tenho visitado de vez em quando :) Boas festas também

Mónica disse...

tá certo!
só mais uma coisa: no primeiro tive a mania das dietas alimentares, horários rigidos, ensinamentos pedagógicos, calendários, etc. com o segundo é tudo ao molhe e fé em deus que vai dar certo! mimos e mais mimos que nunca são demais!
e tu?

papu disse...

Eu nunca tive manias de horários rígidos, já tinha a percepção q eles é que definem o seu ritmo... no post exagerei algumas coisas; na verdade o q senti foi uma diminuição bastante grande da ansiedade e daquela sensação de não saber em q terreno pisava (como qd não conseguia perceber pq é q ele chorava, no primeiro, ao princípio). Mas de resto, mimos e mas mimos, q nunca são demais (e fazem muito bem) foi nos dois... desde o princípio!
beijinhos

sm disse...

Ando há dias para ler este texto com calma e comentar :))). Agora arranjei um buraco e cá estou.

Muito bem, como sempre!!!

Realmente é muito engraçado!! Connosco foi tudo mais ou menos assim, e sim, penso que será o mesmo à 3ª, à 4ª... Por vezes gostava tanto de ter mais um!! Shiiiuu!!! Eu não devia estar a dizer isto.

Já quase não tenho saúde nem paciência para dois, quanto mais para outro?!?!? Eu costumo dizer que "Para ser má mãe bastam-me dois!!" tento convencer-me a mim própria e sei que não posso, mas... por vezes... mas tb. sei que estamos melhor assim!! Que tendência que tu tens para fazer as pessoas dizerem aquilo que apenas pensam!!!

:))
Sandra

papu disse...

É o q eu às vezes tb penso, Sandra: dois já me dão cabo da cabeça, qt mais 3! Acho q enlouquecia de vez :DD

Beijos. :)