terça-feira, abril 11, 2006

E SOBRE A AUTONOMIA

também há muito a dizer.

A autonomia está na moda. Queremos os nossos filhos autónomos o mais rápido possível. O problema, quanto a mim, é que nos esquecemos de como se conquista verdadeiramente a autonomia. Aliás, a maioria das vezes não sabemos o que é a autonomia.

Ao contrário do que muita gente pensa, a autonomia não é saber fazer as coisas sozinho. As crianças até podem saber vestir-se sozinhas, comer sozinhas, ir ao bacio sozinhas, lavar as mãos sozinhas, etc, e não ser autónomas no verdadeiro sentido do termo.

As crianças aprendem rapidamente a fazer coisas que nos agradam (aos adultos) porque dependem do nosso amor e da nossa aprovação. E se estas conquistas forem adquiridas desta forma (para agradar, para corresponder às nossas expetactivas de pais e educadores, para se sentirem amadas por isso) elas não representam uma conquista a nível da autonomia. Apenas revelam a facilidade e a qualidade da sua capacidade de aprendizagem.

Para tornar-se autónoma a criança precisa de sentir-se amada por aquilo que é e com aquilo que sente. Isto é o mais importante. Quando à noite, tem medo dos monstros debaixo da cama, ela está a expressar sentimentos que a angustiam e oprimem, e, mais importante do que lhes dar o contraste da realidade (de que não há monstros) será respeitar os seus medos e as suas fantasias. Porque os monstros não existem, de facto, mas os medos das crianças são bem reais. E se insistimos demasiado no aspecto da realidade de que não há monstros, estamos a dizer-lhes, no fundo, que os medos dela não são reais, o que a deixa numa posição muito incómoda: sente-se incompreendida, e, pior, sente que os seus sentimentos não são aceites, não são levados a sério, e até pode sentir-se culpada por eles. E isso traz outro sentimento: o de solidão. Sente que terá de lidar sozinha com esses medos, uma vez que os pais não os reconhecem. É como se os seus medos se tornassem proibidos, e ela tivesse de os esconder. Outra coisa grave que daí pode resultar é um sentimento de alienação. Monstros e fantasmas são apenas palavras que a criança usa para dar nome a medos que não compreende. Mas se lhe é dito que eles não existem, o que se passa na sua cabeça é mais ou menos isto: o que eu sinto não existe, não é real. Isto pode aliená-la da realidade (da realidade dos seus sentimentos).

Ficar ao lado dela, dar-lhe a mão e assegurar-lhe que "a mãe está aqui e não vai deixar que nada de mal te aconteça" não a vai tornar dependente nem a vai convencer de que afinal há razões para temer os monstros, pelo contrário. Vai dar-lhe a certeza de que a mãe aceita os seus medos, e, mais importante, que a vai proteger deles. Vai fazer com que não se sinta sozinha face aos seus medos, que são grandes demais para o seu pequeno tamanho. E, mais importante, vai fazê-la sentir-se aceite nos seus sentimentos, e segura, e vai ajudá-la a nomear e conter sentimentos que, por serem demasiado intensos e monstruosos, se tornam intrusivos e assustadores. Numa palavra, vai torná-la mais autónoma.

Só se torna autónomo quem foi dependente. Enquanto bebés todos já fomos dependentes. O reconhecimento e aceitação das nossas necessidades de dependência é um passo fundamental no caminho da autonomia. Só quando as necessidades de dependência estão satisfeitas é que a criança se aventurará na conquista do desconhecido. A criança precisa de uma estrutura sólida de amor e confiança, onde a auto-estima tem um papel fundamental, para se sentir segura para a viagem da independência.

Quando a criança se apercebe que ela e a mãe são duas pessoas diferentes, fica muito angustiada. A noção da separação desperta-lhe ansiedades enormes. Nesta fase, separar-se da mãe pode tornar-se problemático e difícil, sempre acompanhado de choros e protestos. Aos poucos, ela vai percebendo, pela experiência, que a mãe não desaparece, e que sempre volta. Ela própria começa a ganhar força para se separar da mãe, mas precisa sempre de voltar a ela para se assegurar que ela está lá. Até ao dia em que a criança consegue evocar a presença da mãe, através da interiorização de uma imagem mental e afectiva que lhe dá a segurança necessária para se conseguir separar sem angústia. Mas só quando isto acontece é que é dado o passo no sentido da autonomia. Parece simples e fácil, mas para eles é muito difícil, é uma longa caminhada cheia de avanços e recuos.

Nós só conseguimos separar-nos do que sabemos que vai lá estar, dentro ou fora de nós. Da mesma forma, só conseguimos tornar-nos autónomos quando, dentro de nós, nos sentimos seguros e confiantes para sermos nós a dar os passos. Para sermos nós a escolher. E esta segurança constrói-se, é uma longa estrada, cheia de passos para a frente e para trás.

Se as crianças se sentem bem com elas próprias, elas vão tirar prazer de fazerem as coisas sozinhas, e não vão precisar de ser empurradas para isso. E às vezes os pais e os educadores têm pressa em que tal aconteça, e acabem por confundir o fazer as coisas sozinho, que afinal é apenas um sinal de autonomia, com a própria autonomia. Quando as crianças não estã preparadas interiormente elas dão alguns sinais que é necessário reconhecer e respeitar. Por exemplo, quando no jardim escola já fazem uma série de coisas sozinhos, como comer e lavar as mãos, e depois em casa pedem ajuda. O que eles nos estão a dizer é que já conseguem fazer, estão a crescer, mas a pressão é muita e está a ser difícil. Na escola eles até conseguem, mas em casa, onde se sentem mais à vontade para expressarem o que sentem, eles estão claramente a dizer que precisam de tempo, precisam de voltar atrás, precisam de voltar a sentir-se bebés às vezes, precisam de regredir, para ganharem forças para darem o salto. Quantas vezes nós, adultos, perante uma dificuldade da nossa vida, não precisamos de colo, ou de umas festinhas na cabeça, ou de um ombro para chorar? São comportamentos regressivos, e então?

A verdadeira autonomia é uma conquista da criança, não dos pais e dos educadores. É muito bom e muito compensador ter filhos que fazem tudo sozinhos, mas não nos podemos esquecer que o mais importante não é isso; o mais importante é os nossos filhos crescerem ao seu ritmo, aceitando todos os avanços e recuos, sem os empurrar desnecessariamente, e tendo sempre a preocupação de não os esmagar com as nossas expetactivas. As crianças têm uma capacidade estraordinária de intui-las, e de lhes corresponder, para se sentirem amadas, para não nos desiludirem, para sobreviverem. E isso não é autonomia.

7 comentários:

Anónimo disse...

és uma ternura.
e estás inspirada.

A criança vive numa realidade muito própria, há que respeitar, orientar, ajudar, amar, amar muito, porque quando ela abandona essa realidade para entrar na realidade do adulto já não é criança, é uma pessoa adulta.

é por isso que adoramos ir a Sintra ver os Duendes, é por isso que cultivamos a magia do pai natal mas também é por isso que lhe ensinamos que há meninos que crescem sem os pais e que precisam do nosso carinho e de muita partilha.

mas digo-te.
Não é nada fácil "educar" pela teoria. É bem mais fácil abrir-lhes horizontes, muitos horizontes, amá-los, e dar-lhes a "prática" no dia a dia, sem pressas e ao seu próprio ritmo.

A paula tem razão.
Tens que abrir um consultório on-line. Adorei.

Pim disse...

COnsultório on-line já :)))

Ei-lo de volta para pedir se pode assinar por baixo. Posso? posso??

Já tinha saudades de andar por aqui. Mas isto anda de tal maneira que quase nem tenho tempo para me sentar em frente ao computador. A ver se é agora que regresso mais regularmente.

Allez com muitos beijinhos para Papu e su family in london****
;)

papu disse...

Claro que podes! Também já tinha saudades de te ver por aqui. Um beijinho grande e não desapareças! :)))

Alex: o mais difícil é mesmo respeitar o ritmo deles. Mas afinal também é o mais fácil. Se não tivermos pressa e tivermos confiança em nós e neles.
:)

Anónimo disse...

Papucinha

Gosto de te ler!

Ensinas-me tanto.

Obrigada, bem-hajas.

beijocas

Cláudia Morais disse...

Parabéns! Gosto do blogue e gostei particularmente deste texto.

CLS disse...

É engraçado como tu consegues concretizar em palavras muitos dos meus dilemas e pensamentos sobre a educação da minha filhota.
Bjs.

nana disse...

gostei muito, muito deste teu post!!
tens tanta ,tanta razão!!
;)