sexta-feira, novembro 10, 2006

AS MINHAS LOUCURAS

Isto de estar longe é complicado. Umas vezes sentimos a solidão a pesar. Outras não. Às vezes esquecemos-nos da real localização no mapa, e trocamos as latitudes. De outras, sentimos cada quilómetro de distância a afundar-nos num poço escuro.

Eu sempre tive medo. E acho que o pior deles, que é o medo de ter medo. Sou daquelas pessoas que sofre por antecipação. E se me acontece isto, e se me acontece aquilo, e se o avião cai, e se fico debaixo de um carro, e se e se e se. Entretanto ainda estou inteira, e sofro na mesma com males inimagináveis.

Com a maternidade o centro da ansiedade expande-se. Já não sou só eu, são eles também. A necessidade imperiosa de protegê-los. Às vezes dava jeito poder pô-los numa redoma. E depois sou daquelas mães que acham (que sabem) que só eu é que tenho o segredo para lhes vigiar os perigos e os abraços para lhes acalmar as angústias. E se eu lhes falto? E se e se e se? Outra vez, pois.

Às vezes acho que o medo é um gigante impossível de dominar. Mas a realidade, felizmente, acaba, nas piores alturas, por me acordar. Já me aconteceu estar deitada numa cama de uma urgência de um hospital, a anunciar pelo telemóvel que teria de ser operada imediatamente a uma apendicite aguda, e era eu que acalmava a voz do lado de lá. Sim, nesse dia, pasme-se, encheu-se-me o peito de coragem e olhei-o bem nos olhos (ao medo): "Vê lá agora, não te atrevas a atravessares-te no meu caminho!" Foi assim mesmo, estava calma, inexplicavelmente calma. Sabia (tinha a certeza) que ia correr tudo bem (não me perguntem como) e que não ia morrer coisíssima nenhuma, nem da anestesia nem do raio que o parta que a minha angústia havia de lembrar-se de inventar!

Depois de tudo passado, o bicho feio do medo volta sempre a atacar-me covardemente. Dessa vez foi pensar que se tivesse demorado mais um bocado, bastavam umas horas... e o filho da puta do médico que me receitou o buscopan em vez de me mandar logo para o hospital... enfim, se se se!

Sei que sou uma torre e uma fortaleza para os meus filhos. Mas até a pedra mais dura vacila com o vento das incongruências. Tenho medo de desmoronar e não conseguir protegê-los. É nessas alturas que a distância e os quilómetros pesam toneladas. Embora eu saiba que a realidade acaba por me devolver a força e a certeza dos meus braços, eu confio muito pouco nela, na realidade. É uma das minhas fraquezas, o deixar-me constantemente iludir pelas minhas loucuras.

Eu sei que vai correr tudo bem. É como quando andamos de avião: borro-me de medo nos dias anteriores. Na véspera começo a acalmar. Nos segundos antes da descolagem tenho o coração na boca. Uma vez lá em cima, apodera-se de mim a calma e a certeza de que sim. Vai correr tudo bem.

(E afinal, como diz a minha amiga Alex, a distância não se mede em quilómetros).

3 comentários:

Anónimo disse...

Este Changes versão "São Jorge" é espectacular!

Dum tal Arnold Wesker com música do Jorge Palma (É proibido fumar):

"Eu não sabia
Que nascemos sombras
Eu não sabia
Que todos têm medo
De falhar, de perder

Não há braços de fêmea
Para embalar
O mundo"

Mas temo-nos uns aos outros, não é?
E olha que o teu homem parece um rochedo!

José Antunes Ribeiro disse...

Olá, Papu!

Boa noite, bom fim de semana!
Um abraço

Alex disse...

Não se mede em quilómetros, mas nessas alturas, como tu descreves, os quilómetros tornam-se ... pesados.
Gostava de estar mais perto de ti.
Passar por tua casa, já depois dos putos se irem deitar, e ficar contigo à conversa no chão da sala, a beber qualquer coisa quentinha.

Ha como senti, a distância dos quilómetros, neste teu texto.