Isto de estar longe é complicado. Umas vezes sentimos a solidão a pesar. Outras não. Às vezes esquecemos-nos da real localização no mapa, e trocamos as latitudes. De outras, sentimos cada quilómetro de distância a afundar-nos num poço escuro.
Eu sempre tive medo. E acho que o pior deles, que é o medo de ter medo. Sou daquelas pessoas que sofre por antecipação. E se me acontece isto, e se me acontece aquilo, e se o avião cai, e se fico debaixo de um carro, e se e se e se. Entretanto ainda estou inteira, e sofro na mesma com males inimagináveis.
Com a maternidade o centro da ansiedade expande-se. Já não sou só eu, são eles também. A necessidade imperiosa de protegê-los. Às vezes dava jeito poder pô-los numa redoma. E depois sou daquelas mães que acham (que sabem) que só eu é que tenho o segredo para lhes vigiar os perigos e os abraços para lhes acalmar as angústias. E se eu lhes falto? E se e se e se? Outra vez, pois.
Às vezes acho que o medo é um gigante impossível de dominar. Mas a realidade, felizmente, acaba, nas piores alturas, por me acordar. Já me aconteceu estar deitada numa cama de uma urgência de um hospital, a anunciar pelo telemóvel que teria de ser operada imediatamente a uma apendicite aguda, e era eu que acalmava a voz do lado de lá. Sim, nesse dia, pasme-se, encheu-se-me o peito de coragem e olhei-o bem nos olhos (ao medo): "Vê lá agora, não te atrevas a atravessares-te no meu caminho!" Foi assim mesmo, estava calma, inexplicavelmente calma. Sabia (tinha a certeza) que ia correr tudo bem (não me perguntem como) e que não ia morrer coisíssima nenhuma, nem da anestesia nem do raio que o parta que a minha angústia havia de lembrar-se de inventar!
Depois de tudo passado, o bicho feio do medo volta sempre a atacar-me covardemente. Dessa vez foi pensar que se tivesse demorado mais um bocado, bastavam umas horas... e o filho da puta do médico que me receitou o buscopan em vez de me mandar logo para o hospital... enfim, se se se!
Sei que sou uma torre e uma fortaleza para os meus filhos. Mas até a pedra mais dura vacila com o vento das incongruências. Tenho medo de desmoronar e não conseguir protegê-los. É nessas alturas que a distância e os quilómetros pesam toneladas. Embora eu saiba que a realidade acaba por me devolver a força e a certeza dos meus braços, eu confio muito pouco nela, na realidade. É uma das minhas fraquezas, o deixar-me constantemente iludir pelas minhas loucuras.
Eu sei que vai correr tudo bem. É como quando andamos de avião: borro-me de medo nos dias anteriores. Na véspera começo a acalmar. Nos segundos antes da descolagem tenho o coração na boca. Uma vez lá em cima, apodera-se de mim a calma e a certeza de que sim. Vai correr tudo bem.
(E afinal, como diz a minha amiga Alex, a distância não se mede em quilómetros).
3 comentários:
Este Changes versão "São Jorge" é espectacular!
Dum tal Arnold Wesker com música do Jorge Palma (É proibido fumar):
"Eu não sabia
Que nascemos sombras
Eu não sabia
Que todos têm medo
De falhar, de perder
Não há braços de fêmea
Para embalar
O mundo"
Mas temo-nos uns aos outros, não é?
E olha que o teu homem parece um rochedo!
Olá, Papu!
Boa noite, bom fim de semana!
Um abraço
Não se mede em quilómetros, mas nessas alturas, como tu descreves, os quilómetros tornam-se ... pesados.
Gostava de estar mais perto de ti.
Passar por tua casa, já depois dos putos se irem deitar, e ficar contigo à conversa no chão da sala, a beber qualquer coisa quentinha.
Ha como senti, a distância dos quilómetros, neste teu texto.
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