quarta-feira, julho 04, 2007

Abraços e medos

O Diogo às vezes dá-me cabo da paciência.

Estica os braços e grita: "Eu quélo dá-te um abáxo!!!" nas situações mais impróprias.

A saber:

Quando está sentado há uma boa meia hora à mesa para comer a sopa, e ainda tem o prato cheio. Isto para aí de cinco em cinco minutos.

Sempre que me estou a zangar com ele.

Quando é hora de ir para a cama.

Quando estamos numa correria louca para sair de casa de manhã, comigo aos berros para eles se despacharem, e ele a engonhar e a fazer tudo numa lentidão exasperante.

Quando me sento um bocado no sofá para descansar ou para ler.

Quando estou ocupada na cozinha.

Às vezes até quando estou na casa de banho, sentada na sanita (!)

Depois às vezes no minuto a seguir páro e penso: mas o que estou eu a queixar-me? Qualquer dia vou andar a lembrar-me destas coisas cheia de saudades e... olha que raio, vou masé aproveitar agora!

(E aperto-o nos braços até quase o esmagar!)

Às vezes nem é preciso antecipar. Às vezes a vida prega-nos um susto, como uma bofetada desprevenida, e de súbito vemos como tão facilmente passamos ao lado daquilo que verdadeiramente importa. Outro dia quando vinhamos para casa a pé deparámos com um acidente quase à porta da escola: um menino que tinha sido atropelado. Passámos e ele estava no chão, deitado no chão, o corpo pequenino imóvel, coberto com um cobertor vermelho, igual a um que tenho cá em casa, que ficou cá desde que o Diogo partiu a perna. A professora do David estava ajoelhada no chão, atarefada a socorrê-lo. Ele estava deitado de lado e parecia inconsciente. Eu reconheci-o: anda na sala onde eu estou a ajudar. Os médicos também estavam de volta dele, e puseram-lhe uma máscara de oxigénio. No passeio estava a irmã a chorar, e algumas mães que também conheço da escola. Passámos e eu fiquei a olhar para aquilo, sem querer acreditar, completamente parva, e fiquei ali alguns minutos, parecia que estava a ver um filme, e então o Director da escola veio ter comigo, e disse-me que era melhor eu ir, e levar o David (só naquele momento me lembrei que eles estavam ali a ver a cena comigo), perguntou-me se eu tinha visto o que se passara, e como eu respondesse que não disse-me que era melhor eu ir, e eu a gaguejar, claro, e lá segui, com o coração encolhido. É uma das coisas de que gosto nesta escola, é como se todos fôssemos uma grande família. Nesse dia adormeci a pensar no miúdo e acordei na manhã seguinte com o mesmo pensamento. Felizmente ele está bem e só partiu uma perna. Mas aquelas imagens não me saem da cabeça. Nessa noite agarrei-me a eles e só pensava em nunca os largar. Só pensava em como somos tão frágeis e tão pequeninos e vulneráveis e nem nos apercebemos disso. Em como estamos sempre ocupados com problemas de merda e deixamos a vida passar ao lado. Mas é claro que não podemos viver com este medo na barriga. Não, não podemos. Não podemos estar sempre a pensar na morte, não podemos estar sempre com medo. Temos de ter a liberdade de sentir e extravazar o que sentimos sem estarmos debaixo dessa pressão constante do que poderá acontecer. Viver no medo não é viver.

5 comentários:

Anónimo disse...

...e na realidade não há nada melhor que um abraço deles... ou um beijinho vindo do nada... só porque lhes apetece presentearem-nos com um beijinho!
a vida é demasiado frágil para não aproveitar-mos esses momentos únicos da nossa vida!
beijinhos a todos

CLS disse...

É duro ser mamã, né?
Beijinho

LM,paris disse...

manha de todos os dias, bom-dia!
o meu amigo zé ribeiro mandou-me ao seu mail, foi boa ideia, jà li as primeiras historias a coincidirem com vida e sentimentos jà experimentados e sentidos, com saudades. Porque agora o filho é um homem, jà nao diz:
" j vêux pas le Pépitô, ç'é caqué , mamannnn!", era a bolacha inteira ou nada, partida era pra mim.
Algo a ver com angùstias seria?
E quando jà so restavam partidinhas? E depois o miùdo no jardim dos Buttes chaumont,ficava sem comer lanche ou pouco? Ai, paciência...nao vale a pena nem zangar um bocadinho, a gente so quando vai pra velhinhos é que percebe, é assim, leva tempo e parece que nao coincide. Agora nao me zango com o neto, é um fofao, de cabelo à Hendrix, que joga à bola cas perninhas todas justas e dà beijinhos, des pizous ( bisous)à mami com cuspo e tudo e é bom, é melhor que bom, é saudavél!!!!
Ficamos horas a conversar, ele là na lingua dele e eu a aprender tudo do amor e da compaixao pelo mundo, por tudo aquilo pelo qual ainda vale a pena uma pessoa se levantar de manha, estes momentos do " dà kà um abàxo", seja pra fugir à sopa é sempre um cheio cheiro à amor.
Cuidado com os carros! que medo...
boas sandes, isso tamém passa, qual dia estao a chorar plo cheiro da canja ao domingo...e nenhuma mulher nasceu pra ser dona de casa, jà bastou ver no BI da minha mae" doméstica "!Em miuda jà dava pontapés nos cantos da porta, de raiva, contra isto de injustiças feitas às mulheres, e nao sabia nada de mim, das outras, mas via o BI da minha mae e ficava toda enrolada por dentro, numa dor contida de humilhaçao, domestica...domesticada, a corda invisivel atada,institucionalizada!
Ainda nao passou, nao vai passar e estou atenta, como os bichos na floresta de orelhinha nao ar, ca unha feita e zàs, a ver se aprendo a fazer e dizer as coisas ca cabeça em vez disto, ganhava mais!
desculpa Papu, isto jà vai longo. Um abaxo a todos , vou fazer uma sandes, é servida?
POde ir " dançar " ao meu blog:
http://autre-cas.blogspot.com/
LM, paris

Ana G disse...

Papu:
eu venho sempre aqui espreitar e gosto imenso de ler o que escreves...
A proósito deste teu post, relembro que esses abraços são os mais honestos e que nunca na vida vais ter um abraço tão "depurado". Aproveita cada minutinho como sendo único e irrepetível. Beijinho

Anónimo disse...

Revejo-me em tantas das coisas que tu escreves!