domingo, novembro 04, 2007

Estrangeira

Desengane-se quem pense que é no meio de uma multidão de palavras estranhas, de uma língua estranha, que nos sentimos, de facto, estrangeiros. Eu acho que ainda não tinha sentido o que realmente significa essa palavra - estrangeiro - até ao dia em que me apercebi que não são só as pessoas que não falam a mesma língua. É verdade, os gatos, os cães, as vacas, as ovelhas, em resumo, toda a arca de Noé, fala também outra língua.

A primeira vez que tomei conhecimento deste facto nem foi com um animal, foi com um simples espirro. Estávamos numa aula a aprender algumas canções, e uma delas era a famosa

"Ring-a-ring of roses
A pocketful of posies
A-tishoo! A-tishoo!
We all fall down..."

Já eu estava a preparar-me para perguntar o que queria dizer aquela palavra esquisita, "A-tishoo!", quando de súbito os meus ouvidos entenderam, ao ouvir a música cantada pelas vozes de uma gravação. Afinal era um espirro! "Atchim!"

De então para cá a surpresa tem sido constante e completa: os cães, nas raras vezes em que ladram, não fazem "ão, ão!" nem tão pouco "béu, béu!", mas sim "ruff, ruff!" ou "woof, woof". O miar dos gatos nem destoa assim tanto: em vez do "miau, fru fru", temos um "meow". Os galos, quando acordam a vizinhança, produzem um som singular, qualquer coisa como "cock-a-doodle-doo", que eu sempre que leio, à primeira vista, confundo com crocodile. O cacarejar das galinhas, então, não podia ser melhor: "cluck cluck cluck cluck!" Os pirúns, em vez do famoso "glu-glu-glu-glu" fazem um "gobble gobble gobble!" Os patos, em vez de "quá-quá", fazem "quack quack". Menos mal. As ovelhas fazem "Baaaaa! Baaaaa!, com ar desdenhoso. Quem é que se lembraria de lhes chamar memés, neste caso, babás? As vacas, no meio da ruminação, brindam-nos com um "Mooooooooo" Os burros, não sei se zurram ou não, com os seus "hee haw" E os leões berram "roar!"

Estão a perceber? É que eu até posso falar em inglês o dia todo, escrever em inglês, pensar em inglês, quem sabe, sonhar em inglês, e, apesar do accent revelar sempre a minha condição de fora, até posso sentir-me mais ou menos em casa, com o passar dos anos. Mas o que nunca vou fazer, é espirrar como eles. Não, isso recuso-me. Não troco o meu "atchim" por nada deste mundo, muito menos por um "a-tishoo". Nesse aspecto, serei sempre uma estrangeira, e obstinada.

4 comentários:

Edelweiss disse...

E os porcos fazem oink oink :)

Miduxe disse...

estou a escrever uma lista dessas diferenças, e é mesmo engraçado!
bjs

Cláudia Morais disse...

Nunca tinha pensado nisso... :)

Rosa Albardeira disse...

Gobble gobble?? Um perú faz "gobble gobble"??? Txi.. O dos outros já tinha reparado, mas a do perú é nova.. Ainda bem que o Barata Moura não era inglês, imagine-se a canção do Galo Badalo, da Galinha Balbina, do Pinto Jacinto e do Perú Gobble Gobble???? Meu rico Perú Glu Glu...