sexta-feira, setembro 05, 2008

Nas nuvens

Isto é engraçado.
Esta coisa das depressões atmosféricas deixou-me a pensar.
Se calhar até acontece o mesmo connosco: na depressão (clínica) teríamos assim uma espécie de ausência do espírito, como se os pensamentos e os sentimentos se espalhassem no ar, se perdessem, sem rumo, nos voassem da cabeça como aves distraídas.
Aquilo que chamamos andar nas nuvens mais não seria do que essa impossibilidade de contenção e consciencialização das ideias, do pensamento. Como se sofrêssemos de alguma incapacidade de nos centrar, de manter sólida a estrutura mental, afinal o alicerce principal da nossa personalidade e estabilidade psíquicas. Como se essa dita estrutura, em lugar de sólida, fosse líquida ou gasosa; como se se volatilizasse no ar, transformada em sonhos, devaneios, ilusões, nostalgias, melancolias. A tristeza, sintoma central da depressão, talvez não seja mais do que a impossibilidade de nos sentirmos inteiros, de nos reunirmos (aos pensamentos) num corpo coerente e lógico, de nos sentirmos unos. Como se nós (os sentimentos, os pensamentos) andássemos perdidos pelo cosmos, sem eira nem beira, sem sentido, varridos e espalhados pelo vento pelos quatro cantos do mundo, perdidos nas nuvens, na lua. A tristeza nasceria assim em cada partícula nossa, cada pequena partícula vagueando errante, sem saber quem é e a que pertence; a tristeza seria secundária a esse alheamento de algo que não sabe para onde vai nem com que objectivo. Muitos bocados de nós, errantes, infinitos bocadinhos da nossa consciência, incapazes de se materializarem, de se reconhecerem, de adquirirem uma identidade.

E muitas vezes as pessoas deprimidas queixam-se disso mesmo: alheamento, despersonalização, como se não soubessem quem são nem o que querem, como se não fossem capazes de conduzir a sua vida, como se não estivessem cá, e sim perdidos, algures, nas nuvens, ou em sentimentos negativos, de fracasso constante.

Até pode ser. Mas, eu cá, não troco por nada, aquela sensação de andar nas nuvens.

1 comentário:

morfose disse...

Explicado na perfeição. Parabéns.