sábado, setembro 13, 2008

O sol

O sol em Inglaterra surge sempre sem aviso, imprevisto, quando já não esperávamos por ele. De repente, lá está ele, a iluminar o azul vastíssimo do céu, e nós nem damos por isso, ainda há pouco as nuvens nos pesavam tanto nos ombros que éramos incapazes de nos livrar daquele sinistro sentimento de derrota. O sol é uma benção, uma dádiva, que nem ousamos abraçar, incrédulos, porque sabemos que não há-de durar muito. Ou antes, nunca sabemos quanto dura - e é esse mistério que nos faz recebê-lo com tanta humildade, e, ao mesmo tempo, com aquela sensação dos eleitos e dos que são visitados por essa coisa raríssima, que alguns confundem com divindade, mas a que eu apenas chamo de paixão. É ela que nos mantém vivos - a paixão - pelo mundo, pelas coisas raras e bonitas, pelas pequenas coisas, como os raios de sol inesperados, ou os arco-íris distantes. Pequenas coisas que, juntas, formam uma multidão - e uma paixão avassaladora. A paixão pode ser um tornado, ou um maremoto, um tremor de terra, um vulcão em erupção- ainda assim, é ela que nos mantém a alma viva e desperta. A paixão tem tanto de maravilhoso como de terrível - porque a lava dos vulcões queima, e as vagas gigantescas das tempestades arrasam cidades inteiras, e, quando varridos por ela, ficamos frágeis, nus e indefesos, diante dos medos mais antigos. Mas é ela que nos dá a vida - essa sensação de morrer para renascer - porque só quando estamos perto do fim podemos vislumbrar o seu princípio, porque só quando nos estilhaçamos pelo ar nos podemos reunir de novo, porque só destruindo, uma e outra vez, podemos voltar a construir. Não nascemos uma única vez, na vida - nascemos várias vezes. E para renascer precisamos de morrer infinitas vezes. E a melhor forma de morrer é, sem dúvida, nos braços de uma grande paixão.

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