quinta-feira, maio 21, 2009

As flores da minha avó



A minha avó chamava-se Florbela. Nós baptizámo-la de avó Flor. Lembro-me do grande vaso vermelho  ao canto da varanda da casa dela, e de passar tardes a mexer nas folhas e nas flores que nele cresciam e caíam em cascata quase até ao chão. As folhas verdes arredondadas, as flores de um cor de laranja desmaiado que eu arrancava com obstinação. Esta memória é tão antiga que acho que, naquele tempo, aquelas flores eram, para mim, as únicas flores que existiam. Não haviam outras, e se a minha avó era uma flor, só poderia ser uma flor daquelas. Flor era um nome que não designava um grupo ou uma categoria, mas aquela flor, com a cor morna do sol, o toque de seda na pele, o perfume intenso, e as ramagens de folhas que pareciam cabelos. A flor da minha avó, aquela que eu imaginava dentro do nome dela. Ou talvez imaginasse que a flor cabia dentro dela, ou ela dentro da flor... Ou que ela era a flor. Aquela. Porque não haviam outras.
Quando vi a imagem no pacote das sementes, não me lembrei de nada disto. Foi preciso plantá-las na terra e ver as folhas começarem a crescer. A forma daquelas folhas... Eu conhecia aquelas folhas. A mesma sensação de quando dizemos, eu conheço aquela cara... Mas de onde? Agora as folhas cresceram de tal maneira que já não me restam dúvidas. São elas, as mesmas, as flores da minha avó. Ou deveria dizer, é ela, a flor, a da minha avó. Do nome da minha avó e de todas as flores do mundo. Só ainda não floriu, esta. Enquanto espero pela flor, vou falando com as folhas. Mexo-lhes, olho-as, e não quero acreditar que sejam elas. Mal posso esperar por ela. Pela flor. Pela minha avó Flor.

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