domingo, junho 28, 2009

areia branca 2

Só há duche de água quente de manhã e à tardinha, durante uma hora.
Tem de se pedir uma senha e entregar a uma mulherzinha de cabelos brancos, desdentada e de avental, que lá vai abrir a porta do balneário.
Há quatro ou cinco compartimentos, e cada uma ocupa o seu.
De repente, vozes masculinas quebram o silêncio cheio do som da água a correr. Vozes de dois homens, naquele sotaque meloso do lado de lá do Atlântico.
Dois amigos em conversa animada sobre mulheres.
O som da água a correr aumenta. A pressão da água no chuveiro diminui consideravelmente.
E a conversa flui como um rio. Devem achar que estão sozinhos no balneário.
Ela imagina a cara da amiga, no duche ao lado, e ri. A amiga também deve rir, imaginando a cara dela.
O cara continua falando. Não, cara, não dava mais pra aguentar. Saltei fora. Era demais. Não dava mais.
E mais à frente aquela frase, quase cantada: que me perdoem as feias, mas como diz Vinicius, beleza é fundamental. E a gargalhada dos dois.
E a dela, presa na garganta. E a pressão da água cada vez mais baixa.
E agora os gritos: Oh pessoal? Tem alguém aí? Tá faltando água, tem alguém aí tomando banho? Preciso tirar essa espuma, minha gente, vamo lá desligar o chuveiro! Oi mininada?
E o barulho das mãos dele a bater na parede do outro lado - só uma parede de azulejos amarelos a separá-los - e a água a escorrer-lhe pelo corpo nu numa surpresa húmida enquanto um pensamento louco lhe encharca o ventre num arrepio, o homem vai trepar pela parede e vai saltar aqui para dentro...
Até que a gargalhada da amiga lhe cai em cima e ela pode finalmente rir também e deixar o nervoso correr junto com a água.
E a voz que não pára: Ah, sempre tem alguém aí! Oi mininada? Vamo lá fechar o chuveiro, que tenho espuma em tudo quanto é lado! Vamo lá, mininada, fecha o chuveiro aí, só dois minutinhos, só pra espuma sair!
O barulho deve ter sido de mais, porque ouve-se de seguida a voz mirrada da mulherzinha de avental: os senhores faz favor de sair já, que o tempo acabou! E eles a protestar: que nada, minha senhora, a gente chegou depois, essas meninas aí do lado é que já cá estavam antes, elas é que tem de sair!
Mas a mulherzinha é implacável: os senhores por favor acabem o banho. Uma voz que não tolera poucas vergonhas daquelas, pode ler-se no seu tom.
Mais protestos deles e gargalhadas das duas. Eles acabam o banho xingando e rindo ao mesmo tempo. Depois saem, não sem antes se despedirem. Dizem o nome e pedem desculpa pela conversa, mas aquilo era um desabafo de irmão para irmão. A voz arrastada da mulherzinha apressa-os, mas as deles ficam ainda muito tempo se demorando na despedida. As duas amigas, debaixo do duche, não param de rir.

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