sábado, janeiro 16, 2010

Ao longe

Ao longe, a luz dos faróis dos carros rasga o musgo da noite.
A mesma luz que, em criança, lhe espantava a angústia do peito, à noite. Deitada na cama.
Tinha medo, muito medo do escuro.
Por isso a persiana ficava meio aberta, meio fechada.
A luz dos faróis dos carros entrava pelas frinchas, projectava-se na parede escura, longas pinceladas de luz branca que escorriam, silenciosas, acendendo sombras, desenhando linhas paralelas luminosas, longas línguas, longos dedos, serpentinas.
Começava num dos lados da parede, aqueles dedos de luz, a abrirem-se devagar, e iam andando, percorrendo toda a parede do quarto, numa curva que terminava no lado oposto. E depois vinha outra, e outra, e outra.
Adormecia no eco dessa luz. A angústia, no peito, embalada, e ela, criança ainda, sem dar sequer por fechar os olhos.
Agora já não há parede onde as luzes se projectem. Está só, as luzes estão longe, e, apesar do escuro e da noite, ela, a angústia, já não mora aqui.

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