quinta-feira, janeiro 28, 2010

Baixas pressões

Por aqui, o cinzento desprende-se, vagaroso, das nuvens baixas, e cola-se-nos à alma. Andamos pardacentos, cabisbaixos. Deprimidos. Sabem o que é uma depressão? É um centro de baixas pressões, também conhecido por ciclone. A instabilidade do ar produz a sua elevação, dando origem a nuvens e precipitação. Os ventos ascendentes favorecem a formação de nuvens na vertical, que podem originar fortes chuvadas e aguaceiros. As baixas pressões produzem a instabilidade, a ascensão, a leveza do ar, ao passo que, nas altas pressões, o ar afunda-se, vindo de cima, aquecendo e ficando mais estável, formando uma espécie de tampão que tranquiliza a atmosfera envolvente, como um abraço quente e apertado.

A leveza e a ascensão produzem a instabilidade e o mau tempo. Talvez seja por isso que os sonhadores, aqueles que andam sempre nas nuvens, sejam mais vulneráveis às depressões, ao passo que quem tem os dois pés bem assentes na terra não sofra tanto com os desvarios da alma. Será? Será que a nossa cabeça funciona como o ar que a envolve? Não sei, mas não deixa de ser curioso. A nós, quando a pressão é grande, salta-nos a tampa e gera-se a instabilidade, ao passo que, tantas vezes, ansiamos soltar-nos, sentir-nos leves, podermos aliviar a pressão e quiçá deixar-nos levitar, em movimento ascendente, para assim encontrar a idílica paz de espírito, ou seja, a estabilidade. Exactamente o oposto das condições atmosféricas, já repararam?

Por outro lado, se calhar até podemos encontrar paralelismos: na depressão (clínica) temos então uma espécie de ausência do espírito, como se os pensamentos se espalhassem no ar; se perdessem, sem rumo; nos voassem da cabeça como aves distraídas. Andar nas nuvens mais não é do que essa impossibilidade de contenção e consciencialização das ideias. Como se sofrêssemos de alguma incapacidade de nos centrar, de manter sólida a estrutura mental, afinal o alicerce principal da personalidade e estabilidade psíquicas. Como se essa dita estrutura, em lugar de sólida, fosse líquida ou gasosa; como se se volatilizasse no ar, transformada em sonhos, devaneios, ilusões, nostalgias, melancolias. A tristeza, sintoma central da depressão, talvez não seja mais do que a impossibilidade de nos sentirmos inteiros, de nos reunirmos num corpo coerente e lógico, de nos sentirmos unos. Como se andássemos perdidos pelo cosmos, sem eira nem beira, varridos e espalhados pelo vento. A tristeza nasceria em cada partícula nossa, cada pequena partícula vagueando errante, sem saber quem é e a que pertence; a tristeza seria secundária a esse alheamento de algo que não sabe para onde vai nem com que objectivo.

E muitas vezes as pessoas deprimidas queixam-se disso mesmo: alheamento, despersonalização, como se não soubessem quem são nem o que querem, como se não fossem capazes de conduzir a sua vida, como se não estivessem cá, e sim perdidos, algures, em sentimentos negativos, de fracasso constante.

Até pode ser. Mas, eu cá, não troco por nada, aquela sensação de andar nas nuvens.


(escrevi este texto para a virtual&etc sobre as alterações climáticas. É uma revisão de uns posts antigos. Como a revista já não existe fica aqui.)


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