terça-feira, fevereiro 02, 2010

Passividade

Quando mexo um dedo, não é apenas o dedo que mexe, mas toda a engrenagem do mundo. Um pequeno gesto desencadeia uma sucessão de ondas magnéticas e trocas de energia suficientes para gerar outros gestos, completamente alheios aos nossos propósitos e vontades. Em última análise, as diversas ações provocam outras, numa espiral contínua, e essa espiral cresce esponencialmente, sendo capaz de criar outros mundos, mas também destruí-los. As ações subsequentes são sempre independendentes da anterior, daquelas que lhe deram origem, sendo que posso provocar maremotos e tornados no outro lado do mundo, sem suspeitar de tal. Aliás, quando começamos a mexer no mundo, lá muito atrás, quando ainda não nos sustemos nas pernas, tomamos consciência disso mesmo: que cada movimento tem uma consequência completamente independente da intenção da ação que lhe deu origem. Pegamos numa caneca, deixamo-la cair e ela parte-se; atiramos uma bola contra a janela; ou derrubamos o móvel da televisão, por aí fora. Nessa altura aprendemos que o mundo é caótico e que tudo está relacionado dentro desse caos, como uma grande roda. Mas depois esquecemos.
Quando, à nossa volta, se destrói mais do que se constrói, é imperativo ficar quieto. Não mexer um dedo. O mais ínfimo movimento do corpo é capaz de desencadear uma derrocada. Não mexer nem um cabelo, portanto. Fazer de estátua. Anular toda e qualquer vontade de interagir com o mundo. O mundo é um lugar perigoso por causa do que faço. É essa ação que é imperativo anular. Quando mais parado, melhor. O ar em volta estabiliza e as coisas podem enfim tomar o seu rumo, livres da turbulência dos meus braços inquietos. Um mar de calmaria, esta paz, de não mexer um músculo, como se fosse uma árvore ou uma pedra. Uma paz onde acabarei por me afogar, já que, sem dar por isso, me vou afundando. E como é calmo e silencioso o fundo do mar! O abrigo perfeito para quem teme até a própria sombra.

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