Foi quando um ruído levezinho lhe chegou de muito longe, esquecido entre o vento:
- Raul, vem brincar comigo, anda...
As saudades que eu tenho da minha avozinha e de tudo o que passa tão depressa, que a gente nem lhe chega a sentir o sabor.
E hoje os anos passaram. E continua a não ouvir-se a voz.
Aquela voz que soava tão baixinho.
-Raul...
Às vezes o homem pensa que ainda é um menino. E sorri. E chega mesmo a comportar-se como uma criança.
Depois lembra-se de que tem vinte anos. Como se isso tivesse de facto uma importância extrema. E sente-se responsável, sente-se adulto.
E não repara que fica velho.
- Raul, vem brincar comigo.
Olha à sua volta. Que estranho, dir-se-ia que aquela voz
- Raul, vem brincar comigo.
estava ali novamente ao seu lado. Na pele de quem?
- Já não me lembro, meu bem. Já não me lembro de como se brinca.
Tanta coisa de que já se esqueceu. Como foi possível, meu Deus, como é possível que o tempo tenha passado sem eu dar por ele?
Já nem o duende vem quando o chama. Já nem o duende... Que disparate. Como se um simples balão verde tivesse assim tanta importância.
- Amanhã compro-te outro.
Amanhã. E eu? Também estou perdido. Adio para amanhã a procura?
Raul, estás a ficar velho.
Quem falou? Ah, fui eu, sim, nem reparei. Talvez também me sinta velha. O que é que querem? Estas coisas veem quando a gente menos espera.
Estarei louca? Muito provavelmente. Não sei. Sinto-me... Um barco sem remos nem tripulantes. Assim, no alto mar. Desculpa. Voltei a esquecer-me que não é sobre mim que quero falar.
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