A janela está longe, impossível de alcançar. Lá fora adivinha o ar respirável. Cá dentro as sombras movem-se ao seu redor, furtivas, esguias, formas bailarinas de serpente. Há o cheiro da gargalhada do seu filho a pairar no ar, como uma lembrança muito antiga. Imagina-se velha. As rugas a desfiarem-se do rosto para o papel onde ainda insiste em desenhar palavras. Na verdade, ultimamente só escreve listas de compras à mão; em tudo o resto rendeu-se ao computador. Olha as palavras que escreveu, incrédula; há quanto tempo? E como é que pôde escrevê-las? Como é que pôde inventar uma estória sem se aperceber que, afinal, contava a sua própria história? Como é que a vida às vezes pode ser tão parecida com um filme, daqueles que achamos completamente inverosímeis? Como se a vida alguma vez pudesse ser assim...
Lembrava-se de outras palavras, também, estas escritas há muito mais tempo: É preciso sorrir sempre. Sorriso amarelo, podre, gasto, de raiva adiada. Palavras tão ocas, moucas, despidas e vazias. Sempre prontas a esconderem, a taparem a falha. A nódoa. Que medo de ver a nódoa.
E às vezes apetece-me gritar bem alto o que sinto. E às vezes há um nó que fica apertando aqui dentro e quase que rebenta a corda. A corda que prende, que ata, que dilacera as palavras. As palavras mudas. As palavras proibidas.
Ser-se a verdade que se sente nascer. Que difícil. Que impossível.
Escrevera-as aos dezoito anos. Uma eternidade.
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