quinta-feira, março 31, 2011
As mãos
As mãos estão quase sempre lascadas, a pele seca, como escamas de peixe. Tem de estar constantemente a pôr cremes e mesmo assim o alívio é sol de pouca dura. Talvez seja do frio, talvez seja do detergente da louça; talvez seja da água, que de tão dura, embranquece tudo o que toca. As mãos, no entanto, estão demasiado ocupadas para pensar nisso. As mãos só param para dormir. As mãos perdem-se em gestos quotidianos que nem sempre desenham um sentido, ou o procuram. As mãos tocam e nesse toque modificam, ou afagam e apenas pretendem delinear a doçura de um gesto; as mãos trabalham em carreira, como as formigas, umas atrás das outras, guiadas por odores químicos que o nosso nariz de espécie inteligente não capta. As mãos movem-se nessa linha desconhecida que nos cose os gestos uns aos outros ou os desata, fartos e gastos, em desalinho, semeando novelos ao nosso redor que, sem darmos conta, tecem cidades inteiras de intenções, construções frágeis, invisíveis a olho nú; apenas quando lhes bate a luz, a mesma luz que das mãos também escorre, por vezes, vagarosa, é que se acende o mistério, como as gotas de orvalho que emprestam o brilho às teias invisíveis das aranhas.
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