sábado, dezembro 22, 2012

Completamente mortas e enterradas

É fácil amar alguém quando tudo está bem. Assim como é fácil sentirmo-nos todos irmãos quando cantamos em coro. Os dissabores começam quando um de nós desafina, ou quando cada um quer cantar a sua canção preferida. Há pessoas que preferem passar ao lado dos conflitos, porque ignoram a sua força geradora de mudança e crescimento. Sentem-nos como uma ameaça à sua própria integridade. É sinal de que a casa não tem alicerces suficientemente sólidos, e por isso vive com medo da derrocada.
Só nos conhecemos verdadeiramente quando entramos em conflito, por isso é lastimável que tanta gente perca tempo e energia a desviar caminho só para não se deparar com eles. E isto é verdade não apenas em relação a pessoas, mas também a grupos e instituições, como por exemplo, a escola do nosso filho, o vizinho do lado, a pessoa com quem escolhemos viver ou o nosso patrão.
Quando entramos em conflito, há que estar particularmente atento ao modo como a outra parte reage, já que é do modo como ambas as partes lidam com ele que resultará a mudança ou a estagnação.
Não há resolução de conflitos sem confronto de diferentes pontos de vista, que as mais das vezes estão associados a vivências subjetivas. Posto isto, a primeira questão que se deve colocar é: a outra parte está interessado(a) em ouvir-me? Ouvir o outro é fundamental, as suas razões, as suas queixas, os seus argumentos, a forma como se sente, ainda que tais razões, queixas, argumentos e sentimentos entrem em choque com o nosso lado da questão. Este é o primeiro passo para a comunicação; sem ele não há qualquer comunicação. Há que estar particularmente atento àquelas pessoas que, aparentando estar dispostas a ouvir, só o fazem quando aquilo que dizemos é exatamente aquilo que querem ouvir, e quando isso não acontece, tendem a diminuir-nos, rejeitar-nos, ou mesmo ignorar-nos. Frases como, És demasiado sensível, ou, Tens um conceito de honestidade muito inflexível, Não deves estar bem, Precisas de tratar-te, revelam bem a manipulação subjacente. De facto é muito mais fácil sacudir a água do capote do que admitir e assumir a quota parte de responsabilidade na origem de um conflito, o que é sempre verdade: em qualquer relação, pessoal ou profissional, tudo o que acontece depende da inter-relação de todas as partes envolvidas, pelo que as responsabilidades são partilhadas. E, das duas uma: ou os conflitos são assumidos como tal, ou então o que acontece é que uma das partes, ou ambas, tendem substancialmente a ignorá-los. Se apenas uma das partes os ignora, à outra só lhe resta o confronto, por um lado, ou o deixar andar. Esta última, embora aparentemente portadora de alguma paz, não é pacificadora de todo, uma vez que para se ignorar um conflito há sempre um gasto de energia (ainda que não aparente) e uma anulação das próprias necessidades na relação, que não se faz sem custos. O que acontece é que há sempre aquelas pessoas que se preferem sacrificar pelo "bem estar" aparente, sem as mais das vezes terem consciência das consequências para elas próprias. São essas mesmas pessoas que, uma vez que o copo encheu (porque geralmente esse dia chega, mesmo que demore anos) e viram a mesa, têm de ouvir coisas como, Mas tu não eras assim, o que é que se passa contigo? Não te reconheço! Frases deste tipo revelam bem o quanto a outra parte nunca nos conheceu de facto, o quanto tivemos de nos anular para que a relação fosse possível, e aí também temos a nossa quota de responsabilidade, porque, em vez de mostrar abertamente o que sentimos, preferimos escondê-lo, ao longo dos anos, e ainda que a nossa intenção tenha sido a melhor, boas intenções não resolvem conflitos. O que os resolve é a capacidade de aprender com eles; a capacidade de olhar para dentro e reconhecer os próprios erros. A capacidade de assumir a culpa e a responsabilidade por tudo aquilo que acontece entre nós e os outros. Relações sem conflitos não existem; e quando existem, estão completamente mortas e enterradas.

1 comentário:

Anónimo disse...

O que eu gostava de entender é que mecanismo nos leva a trocar o silêncio que nos faz sofrer pela submissão a uma pseudo imagem de nós. Quem ou em que momento nos convenceram que essa era a imagem que devíamos ter e não a outra que se sufoca dentro de nós?