domingo, dezembro 23, 2012

Saudades

Tenho umas saudades quase viscerais dos natais da minha infância, na casa dos meus avós. Desde a preparação, em que a minha avó, a Mariana e eu passávamos tardes inteiras na cozinha, a Mariana a tratar das refeições, eu e a minha avó a fazer bolos. Eu batia a massa e ela segurava na tijela, e só pegava na colher de pau quando, depois de juntar a farinha, a massa se tornava demasiado dura para os meus braços de criança. Tenho saudades da comida, que consigo ver e cheirar se fechar os olhos: o arroz de pato, o lombo de porco, a cachola, o bacalhau no forno. E dos doces: o leite creme, primeiro uma coisa amarela muito clara numa tijela branca, que o ferro em brasa transformava em laivos castanhos e negros, de aspeto e cheiro apetitosos; dos bolos (de caramelo, das nozes, mármore), do arroz doce, das farófias, do nógado da Lucília, das filhoses e das fatias. Do salame que a Tatá trazia embrulhado numa prata, da mousse de ananás que a Titi fazia. Tenho saudades de nós todos à volta da mesa; das vozes do meu avô e do Aníbal em cantorias, da minha avó e das minhas primas com a preocupação dos últimos preparativos, do Rui e do Jorge a contar anedotas, ou melhor, do Rui a contar anedotas e do Jorge a tentar ter mais piada do que ele (perdoem-me a sinceridade), o que era um disparate, visto tanto um como outro terem a sua piada; das badaladas do relógio da sala de hora a hora, de estarmos ali todos à volta da mesa, que ainda hoje me pergunto como é que conseguia caber tanta gente naquela sala apertada, e de nem sentirmos o frio, aquele mesmo frio que nos trespassava a coluna vertebral mal abríamos a porta.

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