Essa fotografia morava numa prateleira alta de um armário em casa dos meus avós. Nessa altura todas as prateleiras eram altas. Eu pedia para vê-la, e a minha avó fazia-me sempre a vontade. Tirava-a da estante e, sentando-me no colo, ajudava-me a encontrar a embrulhadinha. A embrulhadinha era uma menina, assim da minha idade, acho até que com a mesma cara (pelo menos o cabelo era igual ao meu), que espreitava do meio da pequena multidão que me olhava da fotografia. Tinha uma manta ou um cobertor a envolvê-la, e por isso estava embrulhada, aconchegada, tapadinha, como se dormisse, mas em pé. Daí o nome, embrulhadinha. Era uma excitação procurá-la no meio de todas aquelas caras de gente crescida, olhos negros e bocas murchas, tezes cinzentas e cabelos, barbas e bigodes escurecidos pelo preto e branco. Cada figurinha tinha o tamanho da ponta do meu dedo mindinho, e havia tantas, lado a lado, em carreirinhas, que encontrar fosse quem fosse já era uma proeza.
Ainda hoje não sei quem eram aquelas pessoas. Talvez uma grande família, talvez até da família, um rebanho de primos e primas desconhecidos. Só me lembro que eram muitos. E que tinham todos um ar desolado. Pensando bem, talvez não fossem da família, de gente sempre bem-disposta, com o riso e o sarcasmo ao canto da boca. Ou talvez fossem daquela outra parte da família, mais sombria, que espreita escondida dos sorrisos e das gargalhadas, e que todas as famílias têm e não sabem.
Desconheço também se a embrulhadinha existia mesmo ou se era produto da minha imaginação. Se era, a minha avó disfarçava muito bem. Sentava-me ao colo e com dedos pacientes acompanhava-me naquela maravilhosa aventura em busca de uma fisionomia no meio de tantas, uma agulha num palheiro, com aquela paciência de que só as avós são capazes. Eu nunca a conseguia encontrar e eram os dedos dela que me indicavam a carinha que eu tão bem conhecia, uma cabecinha minúscula espreitando do embrulho que os cobertores amparavam em redor do seu pequeno corpo. Olhava-a, extasiada, e conseguia sentir o abraço quentinho do cobertor de lã em volta dos meus ombros; eu, que detestava os casacos de lã que me picavam os braços. O retrato era então colocado de novo no seu lugar, no alto da prateleira, até ao momento em que, de olhos suplicantes, pedia de novo para ver a embrulhadinha. Às vezes a minha avó não estava por perto e eram outros os dedos que me acompanhavam. Quero crer, porém, que esses outros dedos não possuíam a mesma perícia para encontrar a tão amada figurinha e que, as mais das vezes, o meu desejo ficava encolhido no peito, qual um passarito assustado pela imensidão dos céus. Mas talvez apenas não soubessem fingir tão bem como os da minha avó.
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