quinta-feira, março 06, 2014

O futuro

Chove, e as nuvens rasgam-se por instantes, e os raios de sol beijam as vidraças, e chove de novo. Expando o olhar na direcção da luz e encontro o crepúsculo que ensombra o dia. Conto os minutos que faltam para chegares e interrogo as nuvens, o céu, a luz hesitante, o cinzento que se desdobra em cambiantes. Sei que não posso proteger-te eternamente; nem destes, nem de outros temporais. Mas ser mãe é, acima de tudo, ser prática. Neste caso, um guarda-chuva gigante que encobrisse as nuvens e destapasse o sol.
Fico aqui, pensando se vou, se  não vou, e o céu cada vez mais cinzento, uma fúria de bátega.
E depois penso noutra coisa; e o tempo passa; também a chuva.
E com o tempo, vens tu.
E eu percebo que há qualquer coisa que se foi embora.
Um outro tempo, talvez. Ou seria o espaço? O espaço onde cabiam todos os sentimentos minuciosos com que as mães tecem as mantas para as camas dos filhos? Para as noites de inverno. Guarda-chuvas gigantes...
Tanta destreza nos dedos, tanta elasticidade nos músculos; tanta dor de cabeça; tantas vozes sussurradas, tantas antecipações, tanta angústia... De repente ficam as mãos desatadas, livres, e depois? Voar? As mãos?
A inutilidade de nos sentirmos inteiros, depois de tanto tempo desfeitos, aos bocados: as mãos para afagar cabelos, para ajudar a abotoar casacos e dar nós nos atacadores; os olhos para chorar quando eles não estão a ver e para os tranquilizar dos medos; os dedos para as cócegas e para as carícias; a voz para a história antes de dormir e para os gritos quando não nos ouvem; os braços para os abraçar e para os levantar até haver força; a boca para os beijar e para sorrir e suspirar de alívio de os ver dormir e, mais tarde, chegar a casa, sãos e salvos.
Mas o mundo, mães do mundo, é boa mesa: lá encontrarão o alimento; o futuro, minhas queridas; então não era por isso que ansiavam?
Pois, a gente distrai-se, e quando damos por ele, já chegou.
São e salvo.


1 comentário:

andressafontenele disse...

Gostei do seu texto :)